Um interessante artigo de Medeiros Ferreira
Nota prévia: A escolha do enquadramento desta imagem é da minha responsabilidade. À direita estará a tal rocha tarpeia..
Da cimeira à rocha tarpeia [link]
José Medeiros Ferreira
Professor universitário
Há quatro anos, quatro figuras contavam sobretudo com a força militar norte-americana para uma resolução rápida da invasão do Iraque: Bush e Blair, Aznar e Durão Barroso. Bush e Blair por acreditarem nas suas próprias forças, os dois políticos ibéricos por desconhecerem a resistência ao poder dos outros. Quatro aventureiros que colocaram os EUA num beco sem saída e se vão esgueirando como podem da patética fotografia. Até aqui, o que saiu melhor de cena ainda foi o português. A fidelidade ao erro levou-o a presidente da Comissão Europeia pela mão de Blair, agora de malas aviadas não se sabe bem para onde.
Há quatro anos, poucos contavam com a verdade sobre as armas iraquianas de destruição maciça, e muitos com a rapidez das operações militares. O então neodoutrinário Rumsfeld previa, do alto das televisões, que a invasão podia "durar seis dias, seis semanas, mas duvide que dure seis meses". A vitória foi de facto várias vezes proclamada, com tudo o que isso significa.
Nem vitória em seis meses nem rasto do arsenal indiciado foram suficientes para arrepiar caminho. Num país caótico, a caça aos responsáveis pelo regime de Saddam Hussein tornou-se um objectivo magnificado, com resultados perversos. Prenderam, julgaram e condenaram à morte, numa linha justicialista que desarticulou sobretudo o partido árabe Baas no preciso momento em que os confrontos étnicos e religiosos davam espaço e forneciam um contexto favorável à entrada de terroristas vindos do exterior. Com as forças de segurança iraquianas mal reconstruídas, o caos foi-se instalando. Dos planos da reconstrução material que todos os vencedores associados disputavam passou-se ao salve-se quem puder. Começou então a retirada das tropas: espanhóis e italianos por um lado, agora os britânicos por outro. Quanto a nós, começamos por ingressar na procissão das velas com a GNR e muitos jornalistas e comentadores no desfile. Agora apagam-se as luzes e encerramos a embaixada em Bagdad. Em tudo um despropósito e uma desmedida, próprios da periferia cultural.
Porém, não me associo aos festejos actuais dos que firmemente e civicamente se opuseram à guerra, protestaram pelo escárnio ao direito internacional, preveniram contra a falta de provas sobre a existência de armas de destruição maciça.
Louvo-os mesmo pela clarividência, apego aos princípios de uma sã convivência internacional, capacidade de testemunho em sociedades de pensamento unificado, mas hoje as minhas preocupações voltam-se para outro lado.
E não me associo, porque desde o 11 de Setembro de 2001 que tenho a noção de que os EUA estão sujeitos a uma guerra de usura, à qual estão a responder sem critério nem racionalidade. A primeira reacção norte-americana aos ataques do 11 de Setembro ainda foi racional e dentro do mais escrupuloso respeito pelo direito internacional: legítima defesa, resoluções do Conselho de Segurança e intervenção no Afeganistão ao abrigo de um mandato da ONU. Mas a invasão do Iraque em Março de 2003 foi em tudo o contrário desse princípio de luta contra o terrorismo internacional. Cumulativamente, os quatro anos de ocupação militar do Iraque colocam os EUA à mercê de uma guerra de usura onde nem a vitória, mais do que improvável, terminaria com ela. Tanto assim é que, no preciso momento em que Bush, já com uma maioria do Partido Democrático no Congresso, decidiu enviar mais de 20 mil homens para Bagdad, é de Teerão que vem o novo desafio que prolonga essa guerra de usura.
O desafio de Teerão é múltiplo e ocorre com os EUA, e os seus aliados mais próximos, em dificuldades crescentes no Afeganistão e sem solução à vista no Iraque, para não referir o Líbano que merece tratamento à parte. O envio de mais um porta-aviões para a zona do golfo Pérsico dá a medida de uma subida armamentista na área. Essa subida armamentista tanto se poderá caracterizar no futuro por uma maior concentração de forças numa dada região como se saldar por uma nova corrida aos armamentos, como alertou Vladimir Putin no discurso de Fevereiro em Munique.
Há quatro anos, o Presidente Bush embarcou os EUA e alguns dos seus aliados na aventura iraquiana, que já custou muitas vidas (sendo que ninguém sabe ao certo quantos milhares de civis...), a subida exponencial das despesas militares, a dispersão de esforços na luta contra o terrorismo internacional e a confusão na hierarquia das ameaças. Mais ainda o mais grave é a quebra acentuada do prestígio norte-americano no mundo neste últimos quatro anos."
Obs: Gostei de ler este artigo de Medeiros Ferreira. É um belo quadro das RI do que se passou nestes últimos 4 anos. Só tive pena que ele não explicitasse - no corpo do seu texto - o significado do título do seu artigo. A "rocha tarpéia" era o obelisco em Roma donde eram precipitados os traidores revelando também que ao sucesso se pode suceder o insucesso. Não sei se era isto que ele tinha em mente relativamente a Durão barroso, o tal que foi premiado na Europa por ter persistido no erro, como diz, e bem, o autor do artigo. Medeiros Ferreira é ainda co-autor do blog Bicho Carpinteiro.
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