sexta-feira

Neocorporativismo: as agências de comunicação...

Nota prévia:
  • Publicámos este artigo na imprensa em Nov. de 2004. Creio que os homens da Comunicação política em Portugal deveriam meditar nisto, nem que seja para melhor contrariar os pressupostos que aqui defendo e, por essa via, convencer o legislador, os políticos de que a desejada acreditação das Agências de Comunicação na Assembleia da República, ao lado dos "jornalistas de poltrona" que por lá se arrastam de microfone na mão, pode representar um ganho suplementar para a democracia, a qualidade e quantidade de informação e análise produzida e, por essa via contribuir para a riqueza da nação. No fundo, posso estar completamente errado, os pressupostos infra podem partir de premissas insustentáveis, mas se o objectivo das empresas é manter os seus clientes satisfeitos, através de redes de conhecimento que colocam novas exigências às organizações, o campo da política deveria não pensar apenas no infernal ciclo eleitoral - nem naquilo que MMendes hoje acusa Sócrates, ou antes Durão acusava Guterres. O que nos deve preocupar é saber se, de facto, essas Agências de Comunicação trazem para o sistema político novas competências que, simultaneamente, potenciem a qualidade do nosso conhecimento e, por via disso, aumentem a riqueza geral do País. Creio que o parlamento, os deputados, a comunidade política e científica deverá discutir sobre esta questão e agir em conformidade. E com o estado actual do jornalismo de poltrona que temos, confesso que hoje não me desagradaria ver essas AC, desde que regulamentada a sua actividade, serem acreditadas na AR. Parece que a "bola" está agora no campo de Jaime Gama que além de Presidente da AR é filósofo de formação.
Neocorporativismo
Em Portugal temos um Estado interventor e prestador de serviços ou fornecedor de recursos rentabilizados pelas novas corporações? Observando o comportamento das novas agências de comunicação/AC, o Estado parece converte-se no último “mercado interno” imune às normas da competição internacional, íman para todas aquelas actividades profissionais que não encontram viabilidade fora da sua esfera de protecção.
A questão essencial na relação dos grupos corporativos com o poder político é criar junto deste um efeito mágico de ilusão política como contrapartida de garantias distributivas. Em política o que não é dito, não existe, e as AC que fazem consultadoria no mercado político competem pela angariação dos melhores negócios junto de ministérios e gabinetes. Por seu turno, a popularidade dos políticos só persiste se aceitar satisfazer as expectativas distributivas. O círculo fecha-se de modo perfeito com os mercados do dinheiro e do poder. Um gera o outro.
A sociedade portuguesa vive hoje essa crise, dado que o Estado privilegia a distribuição e desvaloriza a produção: dele depende a continuidade distributiva; é também o centro de emprego. Reflexo da necessidade da perigosa relação entre as neocorporações e os agentes políticos. Ambos têm em comum o fito de usar o Estado para alimentarem a distribuição que suporta a popularidade. O corporativismo actual é, assim, um triturador da legitimidade popular e, ao mesmo tempo, usa os mecanismos democráticos para fazer prevalecer os seus interesses particulares imediatos.
A facilidade de acesso ao nervo da decisão política, a promessa duma licença, de um financiamento espelha o poder funcional desses players que protegem eleitores aristocráticos (que os remunera) em desfavor das “multidões” (que são fardos e só contam nos momentos eleitorais). O que fazem, então, os cerca de 700 experts em comunicação política em Portugal? Contactos, angariação de negócios, compra de poder, influenciação de decisões, lobi. Tudo isto integra o perfil das AC, não por esta ordem. São operadores especializados na função de intermediação entre os candidatos e os eleitores, mas também entre os negócios e o poder político julgando criar imagens mobilizadoras dos comportamentos colectivos para reforçar a continuidade do poder.
No fundo, as AC reproduzem o modelo clássico do cacique local, agora privado da sua referenciação geográfica, passando a referenciar-se em função dos interesses (e das remunerações) profissionais. Como se dum momento para outro, distorcendo a regra do voto popular, estas AC organizassem “sindicatos de voto” afastando os eleitores da participação política e obrigando os candidatos a assumirem constrangimentos prévios limitadores da sua acção ulterior caso venham a conquistar o poder. A IPSIS (barrosista), a J. Líbano Monteiro & Ass., a UNIMAGEM, a Bairro Alto são alguns dos operadores denunciados pelo ex-director do “DN” como estando na origem da sua humilhação-demissão. Tudo está por provar.
Mas a função do politólogo é desocultar a tendência do corporativismo dos interesses, mais sofisticado que o corporativismo doutrinal do séc. XX, já que se constitui como um “estado” dentro do Estado, servindo-se das instituições democráticas para satisfazer interesses particulares, sem estarem obrigados ao dever de solidariedade geral da polis. Olhando para o mercado político luso só se vê “elefantes e pulgas”. Neste jogo do Estado com as neocorporações não entra a classe média. O Estado é o elefante pesado e lento que paga a factura às pulgas ágeis, criativas e adaptáveis aos negócios. Não é fazer as coisas correctamente que é importante, mas fazer as coisas certas.
O problema é que o elefante (falido) somos nós todos; e as pulgas não deixam de se multiplicar em enxames para burilar ideias que iludem o poder e as multidões. É neste dreamworks que actores recolhem o dinheiro pago pelos contribuintes. Por isso, hoje só deveria poder aceder à política aqueles que passassem o teste do montanhista: quando se está a 2000 pés de altitude e se tem apenas os pés e as mãos agarradas à rocha, não se consegue pensar em mais nada..