"Depois do grito"
O grito - de E. Munch
(a escolha desta imagem é da nossa responsabilidade, quer dizer, foi responsabilidade da n/ Liberdade)
Cit. in Estes Momentos
Tirei as fotografias das prateleiras. Peguei nos álbuns antigos. Folheei os momentos passados. Eram ruas, pessoas, praias, restaurantes, noites, cigarros, livros mal lidos, músicas mal ouvidas, corpos que não estremeceram. Eram flashes de circunstância, sorrisos fabricados, poses pensadas, braços por cima de ombros pesados, abraços frios num tempo sem compasso.Tirei as fotografias das prateleiras. Peguei nos corpos, mais jovens que os de hoje, olhei-os com desdém. Rasguei as almas que já não existem. Queimei as pernas que existiram dentro dos jeans lustrosos. Tirei as coisas, as falsas alegrias, as pretas esperanças.Tirei as fotografias das prateleiras. Coloquei-as num saco de supermercado. Amarrotei os papelinhos de circunstância, selei os risos, parti os braços antigos e esbracejei com os novos, os soltos, os que abraçam forte, os que amam o corpo inteiro, os que agarram a vida toda.Tirei as fotografias das prateleiras. Pu-las na mala do carro. Viajaram para longe. Lugar escuro, fechado, morto. Longe do espaço e do tempo que sou eu. Depois do grito, o ar ficou mais limpo.
Postado por ELA em Sexta-feira, Março 23, 2007
Obs: No final desta leitura dizemos Uff))).. Uma pessoa fica esgotada em percorrer tanto trajecto, tanta curva, tanta película, o tempo é sempre o nosso espaço, como diria Stº Agostinho. É um filme que - mais tarde ou mais cedo - todos nós revisitamos. Por vezes pergunto-me se não seria preferível nunca ter comprado máquina fotográfica, elas ficam sempre registadas na outra câmara, da qual já não é possível apagar os registos, senão com a morte. E aqui, ainda haverá muito a dizer, não tenho é testemunhas... O melhor mesmo é fazer como aqueles antigos cujo receio de lhes roubarem a alma nunca autorizavam que lhes batessem fotografias. E naquele tempo as máquinas assustavam..
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