domingo

Betinhos de dia, peixeiras à noite - por João Miguel Tavares -

João Miguel Tavares
No último fim-de-semana a direita portuguesa mostrou a sua raça, em dois episódios inesquecíveis. Um toda gente deu por ele: Maria José Nogueira Pinto acusou o deputado Hélder Amaral de a ter agredido na reunião do Conselho Nacional do CDS/PP - que ela classificou como um regresso à "pior memória do PREC" - e o deputado Hélder Amaral deixou no ar que tal acusação só aconteceu por ele "não ser branco como ela". Só mesmo a direita portuguesa é que tem destas coisas: uma dirigente a acusar o partido de atitudes de esquerda revolucionária e um deputado a insinuar que foi vítima de racismo. O Bloco de Esquerda deveria apresentar queixa por concorrência desleal.
O outro episódio foi menos badalado, mas é um dos melhores do ano: o fadista Nuno da Câmara Pereira, fogoso pretendente ao inexistente trono de Portugal, fez queixa do pobre D. Duarte de Bragança ao Ministério da Economia por ele andar a investir uma data de gente como cavaleiros da Ordem de S. Miguel da Ala, considerando tal acto um uso indevido de insígnias que o fadista Nuno alegadamente patenteou. Mais tonto do que reis que não são reis andarem a armar cavaleiros de pacotilha, só mesmo pretendentes a reis que não são reis andarem a chatear-se por causa disso.
Ora, nada disto teria importância alguma se não fosse suposto que boa parte desta gente fizesse parte da elite nacional. Os monárquicos, mesmo que deprimidos, são herdeiros de uma aristocracia que durante séculos governou o país. Podem não ter um regime que lhes sirva, mas, pelo menos, têm uma tradição a preservar. E, no entanto, é o que se vê. Já a direita cristã que o CDS/PP representa é um ninho de famílias-bem, de gente que mora na linha de Cascais, compra sapatos-vela, veste camisas às riscas e vai à missa ao Campo Grande. Boa parte daquela gente que se transformou em peixeiras de Alfama no Conselho Nacional estudou nas melhores escolas portuguesas. E, no entanto, deram naquilo. É como se as nossas elites tivessem uma grilheta à volta do pescoço, que as empurra fatalmente para o fundo. Triste direita. Infeliz país.
  • Obs: Publique-se e envie-se cópia ao partido dos betosos.. Porque João Miguel Tavares não usa sapatos-vela nem camisinhas às riscas, mas usa t-shirt vermelha.