quinta-feira

O vazio absoluto - por Pedro Rolo Duarte -

Pedro Rolo Duarte
Jornalista
"Leio na imprensa o "escândalo" envolvendo dinheiro e morte no mundo do jet set - a taróloga Maya esclarece numa entrevista que estamos apenas perante um episódio envolvendo uma "pessoa amiga de figuras do jet set". Em qualquer dos casos, há uma mulher em prisão preventiva pelo alegado envolvimento no assassínio do marido. Parece-me "edificante" toda a história e a atenção que lhe está a ser dada - mas nada que se compare ao que terá sucedido na sexta-feira passada e o Correio da Manhã conta (sem desmentidos até à data): aquela espécie de homem chamada José Castelo Branco terá ido visitar a amiga detida. Mas "apareceu" em Tires fora da hora de visitas.
Pois bem, estão sentados? Tomem nota: Castelo Branco conseguiu entrar fora da hora regulamentar das visitas. Como se não bastasse, conversou com a suspeita fora do parlatório (local curricular para o efeito), numa sala particular. E, terceiro patamar vencido, pôde mesmo fotografar a senhora (parece que é verdade, dado que a fotografia saiu no jornal 24 Horas do dia seguinte).
Ou seja: alguém no estabelecimento prisional de Tires achou que a presença do senhor Castelo Branco justificava violar três regras essenciais do direito à igualdade de tratamento de um detido. A saber: horários de visitas, locais próprios de convívio entre detidos e visitantes e rigorosa proibição de fotografar, gravar ou filmar dentro de prisões.
É óbvio que a presença da figura em programas de TV como o Big Brother dos Famosos justifica, por si só, excepções à regra em tudo - eu já o vi a exigir jantar gratuitamente num evento para o qual não tinha sido convidado... -, mas não valia a pena dar da instituição prisional tão pobre, saloia e desgraçada imagem. É que eu consigo imaginar a cena: o desvario do visitante, a risota pegada dos guardas, e de repente a sequência dominó de violações regulamentares. Muitos pesos, muitas medidas, para pessoas que estão, teoricamente, em igualdade de circunstâncias.
Era risível, se não fosse grave. Era divertido, se não fosse tão triste. Era uma espécie de fait-divers, não se desse o caso de ser mesmo uma notícia.
Para rematar: a notícia veio no jornal. Não foi desmentida. Responsáveis, não há? Não se sabe - mas como "aos costumes dizemos nada", lá veio no dia seguinte a "breve" a anunciar um inquérito. Ou seja, a anunciar mais um vazio absoluto. O nada em que vivemos sempre."
Obs: Confesso que jamais pensei que o relaxe das condições de segurança em estabelecimentos prisionais roçasse este absurdo. Até parece, salvo melhor opinião, haver aqui um "furo" triangulado entre esse desvio patologisante da natureza que é a Castelo Branco, o elemento da segurança que tinha a responsabilidade da recepção daquele "embrulho" fora-de-horas e o pasquim que no day-after publicou o absurdo e caricato de toda essa situação (castelo Branco+segurança+jornal). Confesso aqui que quando comecei a ler este artigo de Pedro Rolo Duarte pensei que a sua crónica assumisse outra direcção, mas acabou por enquadrar um assunto que é capaz de dizer muito do estado da "justiça" em Portugal. E depois de se ouvir o PGR na RTP fica-se com a certeza de que a imagem que o espelho nos devolve é mau demais para ser aceite. Será que podemos tirar uma radiografia a Portugal através dum flash a um estabelecimento prisional...