quinta-feira

Transformação comunicacional de Sócrates: produção de significados

Ontem vi parte do debate parlamentar. Registei o esforço dialéctico que M.Mendes fez para sintetizar uma crítica estrutural a Sócrates, que nas respostas novamente o "meteu no bolso" - assim como lá também guardou toda a oposição, um-a-um, como quem come pastéis-de-nata em Belém: o senhor dos recortes dos jornais do PP que fala com sotaque do Norte e assevera o PM quando ele próprio é uma fonte inesgotável de agressividade discurssiva, é alguém que faz política pelos recortes dos jornais, deveria ir para o Independente. Depois não quer que o PM o trate como uma "criancinha".. Alguém terá de o avisar que isso é caricato, e que numa frase de parágrafo mais extenso não deve repetir 7 vezes a fórmula : - "hó senhor Primeiro-Ministro".., talvez P. Portas (que sabe de comunicação) - e que andava por lá de mão na testa - lhe possa deixar esse reparo de uma vez por todas para que a caricatura não se repita diante a Nação; Louçã sabe de economia, é um grande pedagogo e um excelente tribuno que marca a agenda social mas depois..., algo se passa na opinião pública (e publicada) que tudo fica na mesma como a lesma; Jerónimo julga que o PS ainda está afectivamente ligado ao PCP - e desconhece que este PS é conservador e de direita, e governa um pouco à Guterres, mas com mais nervo e com um processo de tomada de decisão mais veloz e produtivo. Além de menos temerato e gozar, claro está, do respaldo duma maioria absoluta única da história do partido desde o 25 de Abril. Para frustração de Soares e o seu clã, de quem nunca mais ninguém ouviu falar.. Há quem diga que está no Vau a escrever uma autobiografia de 1114 págs. sob o título: Fui para a política porque era mau advogado. A publicar pela Editora "Nunca Mais" em 2027.

O resto é mesmo o resto, não tem legitimidade parlamentar, não tem vox, apesar dos verdes serem o eterno apêndice do PcP. Muito provavelmente, isto irrita todos na oposição, mas irrita especialmente M. Mendes que aspira ao Poder e ontem até falou bem mas com efeitos políticos e mediáticos extremamente limitados, modestos mesmo. Isto leva-nos ao porquê destes processos políticos serem como são, i.é, ao facto destas dinâmicas favorecerem uns e trucidarem outros nestas trajectórias políticas lusas na dobra do III milénio.

Creio que na origem disto está uma inovação ao nível da Comunicação que tem vindo a ser desenvolvida por Sócrates, e não um mero assalto à gramática, um assassinato à lógica ou uma violentação à métrica, como diria Gabriel o Pensador.

Sócrates, de facto, tem desenvolvido uma técnica de produção de significados que esvazia quase por completo a oposição. E como é que ele faz isso? Bom, para além da sua inteligência e imenso traquejo político - ele - no seu seu próprio discurso político - enuncia os problemas, revelas as medidas que toma e faz uma outra coisa (chave do seu sucesso): faz comentários críticos a si próprio (enquanto deambula pelo seu texto) - como que antecipando as eventuais/esperadas reacções da oposição - sobre a sua própria fala, e, assim, esvazia a fala dos outros. Como um balão a quem de repente se tira o pipo... Perde a sua geometria, o mesmo sucede à oposição: mingua.

Por mais de uma vez Sócrates recorre a este expediente, e fá-lo já com tanta naturalidade e proficiência, de modo que a maior oposição que ele tem é, em rigor, ele próprio. Na essência, Sócrates redefine o modelo de comunicação estabelecido. Com Sócrates já não há o circuito tradicional de comunicação ensinado pelas escolas de jornalismo: emissor-receptor, ele interrompeu essa lógica clássica devido ao tal curto-cicuíto que explicámos acima, em que o PM se comenta críticamente a si próprio, e quando chega a vez de M. Mendes e os outros líderes da oposição falarem, já Sócrates disse (quase) tudo. O resto fica para o delegado/presidente da bancada parlamentar do PS fazer, as usual. Por vezes esse é um exercício político tão, mas tão sabujo que chega mesmo a ser penoso ver o sr. A. Martins perorar daquela forma enjoativa como só ele pálidamente sabe nutrir.

Por isso, defendemos aqui, talvez de forma pioneira em Portugal, que Sócrates interrompeu os mecanismos tradicionais de comunicação (em que há um emissor-receptor) e, ao mesmo tempo, conceptualiza, ele próprio, em sede Parlamentar (e noutras sedes do poder em que acede falar aos jornalistas) essa negociação consigo próprio; e depois entre ele e os outros na arena política cujo processo de comunicação nunca deixa de controlar. Desta forma, Sócrates não transmite informação, antes está sistemáticamente a (re)criá-la e, desse modo, confunde e baralha os seus interlocutores em tempo real, que assim se vêem aflitos para deslindar aquele emaranhado lógico que ele, a cada momento, a cada aparição cria e recria com mestria. Assim, convenhamos, é tão difícil quanto penoso fazer oposição em Portugal.

É isto a que M. Mendes chama de "propaganda", mas, na realidade, é bem mais do que isso. Sócrates sofisticou o padrão e os códigos de comunicação política. É isto a que o Jumento ontem (pela 2ª vez), num interessante artigo (depois decalcado pela oposição na oratória parlamentar do PsD), sob a epígrafe A Estratégia de Comunicação de Sócrates - também se referiu andando, em nosso entender, quase próximo da verdade - política e da verdade analítica - cujo ciclo ora fechamos, sem falsos pretensiosismos.

Trocando por miúdos: Sócrates cria permanentemente informação e assim modela o seu curso. As pessoas, inclusivé os jornalistas cuja missão é filtrarem essa informação, recebem-na já trabalhada e pouco ou nada têm a acrescentar. É como se fossem figâdos ou rins já sem função ou destruídos pelo excesso de rum, "visky" e alcool que foram ingerindo ao longo do tempo. São órgãos que deixaram de ser tolerantes...

Uns seduzidos pelo poder, outros integrados e absorvidos por ele, outros ainda sem arte para rever essa codificação política altamente sofisticada. Porquê? É simples: como Sócrates é um artista (quase) completo - embora só não saiba falar tantas línguas estrangeiras tão bem como Guterres - ele atira os foguetes e depois vai apanhar as canas. Ele atira a informação ao ar e é depois o primeiro a apanhá-la em pleno vôo, caso ele etenda - em tempo real e programado - que urge dar um retoque na pintura de um ou outro parágrafo, ou betomar um ou outro ponto de vista.

Resultado: os jornalistas e os media em geral recebem a informação já bem tratada por parte do armazém de notícias e informação controlada por Sócrates. Sócrates é, com a ajuda de Pedro Silva Pereira (o "baby-face" que agora recruta adjuntas junto das filhas dos ex-Presidente da República..., qualquer dia engana-se e contrata o Joãosinho Soares..) a própria agência de informações. É aqui que reside o sucesso de Sócrates e que nem M. Mendes nem nenhum outro dirigente da oposição perceberam. Tanto mais que a aplicação deste novo paradigma comunicacional faz com que o seu dispositivo nuclear funcione na perfeição: pois o seu interesse discursivo coincide sempre com o seu interesse político, logo não há disfunções no sistema de comunicação política nem no seu aparelho de Poder - que assim consensualiza a sociedade sempre a seu contento.

Sócrates é, afinal, o ventrícolo de si próprio e administra vários bonecos/robertos ao mesmo tempo: um é a sociedade, os outros são aqueles líderes da oposição com quem ele brinca uma ou duas duas vezes por mês no debate parlamentar (quando não há Mundial.. em que diz que M.Mendes jogou no banco) e quando irrompe no hemiciclo de S. Bento e deixa, depois, tudo pregado nos Passos Perdidos - com mais um debate vencido por parte de toda a oposição. Alguém deverá dizer isto do dr. M. Mendes - que bem precisa de sofisticar o seu modelo de comunicação política, sob pena de ser cilindrado a prazo. Mas cilindrado por quem? Bom, essa é outra questão que aqui não tem sede nem titular à vista.

O essencial é reter uma ideia: Sócrates faz à política aquilo que Fernando Pessoa fazia com a poesia: ser muitos ao mesmo tempo, e para o efeito criava sempre uma bateria de "eus" a que nós aqui, à falta de melhor conceito, designaremos por assembleia de heterónimos. Ora, é essa assembleia a que o PM recorre para arrumar numa gaveta todos os líderes da oposição. E é também isso que permite que o discurso de Sócrates pareça sempre um debate a várias cabeças, um debate a várias mãos: mãos de prestidigitador. Por quanto mais tempo irá durar esta ilusão?!

  • NB: Viram como o PM e todos os deputados transpiravam e se abanavam com leques das lojas dos 300... No Inverno batem o dente, no Verão inundam-se em suor que dava para regar todo o Alentejo de sequeiro. Presumo que a casa da democracia tem ar condicionado, mas se tinha ontem estava mesmo condicionado - ao Verão!!! Deve ser alérgico a temperaturas tropicais.. Também isto nos revela o Portugal que ainda somos: um Portugal d´África... Enfim, mais uma dor-de-cabeça para Jaime Gama - que, par hazard, nunca foi a África porque, segundo dizia, detestava moscas. Calculo as que estavam ontem no hemiciclo com todo aquele calor tropical, tipo Guadalajara. E depois ainda dizem que os deputados ganham pouco e se piram para o Algarve nas vésperas das vacances da Pascoela...