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Rumo às sociedades do conhecimento

Rumo às sociedades do conhecimento
Koïchiro Matsuura Director-geral da UNESCO Estaremos no limiar de uma nova era - das sociedades do conhecimento? Os desenvolvimentos científicos do séc. XX praticamente trouxeram uma terceira revolução industrial, a das novas tecnologias, as quais são essencialmente tecnologias intelectuais. Esta revolução, que foi acompanhada por um maior avanço da globalização, lançou os alicerces da economia do conhecimento, colocando o conhecimento no centro da actividade humana, do desenvolvimento e mudança social. A informação não é conhecimento; e a incipiente sociedade de informação mundial só cumprirá o potencial se facilitar a emergência de sociedades de conhecimento pluralista e participativo que incluam em vez de excluírem. Significa isto que o século XXI irá assistir ao desenvolvimento de sociedades de conhecimento partilhado? Como é sublinhado na Relatório Mundial da UNESCO Rumo às Sociedades do Conhecimento, não deve haver indivíduos excluídos nas sociedades do saber: pois o conhecimento é um bem público que deve ser acessível a todos. O conhecimento tem duas qualidades notáveis: a não rivalidade e, uma vez passado o período de protecção dado pelos direitos de propriedade intelectual, a sua não exclusividade. Há, actualmente, um claro consenso de que o desenvolvimento das sociedades preconizado na partilha do conhecimento é a melhor forma de travar a guerra contra a pobreza e fazer a prevenção de grandes riscos para a saúde tais como pandemias, de reduzir a terrível perda de vidas causada por tsunamis e tempestades tropicais e de promover o desenvolvimento humano sustentado. Pois há, hoje em dia, novos métodos de desenvolvimento ao nosso alcance: já não estão alicerçados, como no passado, em "sangue, suor e lágrimas", mas na inteligência, capacidade científica e tecnológica de lidar com os problemas, no valor acrescentado intelectual e na expansão de serviços em todos os sectores da economia, que devem conduzir ao desenvolvimento cívico e ao crescimento de uma democracia de longo alcance. Há, contudo, cinco obstáculos no caminho do advento das sociedades de conhecimento partilhado: a divisão digital. A ausência de ligação significa ausência de acesso. É verdade que o número de utilizadores da Internet está em crescimento constante, mas existem dois mil milhões de pessoas que não têm ligação a uma rede de electricidade e três quartos da população global têm pouco ou nenhum acesso a instalações de telecomunicação; a divisão cognitiva, ainda mais profunda e muito mais antiga, constitui uma importante fractura entre o Norte e o Sul; a concentração do conhecimento; o conhecimento existe para ser partilhado, mas, uma vez convertido em informação, tem um preço; o desenvolvimento de sociedades de conhecimento partilhado é, hoje, dificultado pelo aprofundamento de divisões sociais, nacionais, urbanas, familiares e culturais que afectam muitos países. Para ultrapassar estes obstáculos, as nações do mundo têm de investir seriamente na educação, na pesquisa, no desenvolvimento informático e na promoção das sociedades do saber. O que está em causa é o destino de todos os países, uma vez que as nações que não investirem suficientemente no conhecimento e educação e na ciência de qualidade põem em perigo o seu próprio futuro e ficam sem poder cerebral vital. Quais são as soluções práticas propostas no relatório Rumo às Sociedades do Conhecimento? Eis alguns exemplos: investir mais em educação de qualidade para todos para assegurar a igualdade de oportunidades. Os países devem destinar uma parte substancial do PIB à educação; os governos, o sector privado e parceiros sociais devem introduzir progressivamente um "direito a tempo de estudo", concedendo ao cidadão o direito a um certo número de anos de educação após completar a escolaridade obrigatória; enquanto o investimento crescente em pesquisa científica e na pesquisa de qualidade conduziu a desafios futuros, existe também a necessidade de promover aproximações práticas e inovadoras à partilha do conhecimento. Há também uma necessidade de promover a diversidade linguística nas novas sociedades do conhecimento e passar a valorizar o conhecimento local e tradicional. Mas poderá o Sul sustentar sociedades do conhecimento? Não serão elas um luxo reservado ao Norte? Poderíamos, claro, responder parafraseando Lincoln: "Se acham que o conhecimento é caro, experimentem a ignorância!" Não deveríamos tirar uma lição do sucesso de muitos países no mundo? Alguns investiram fortemente ao longo de várias décadas na educação e na pesquisa científica e tiveram êxito na redução da pobreza absoluta. Poder-se-á dizer que um mundo que dedica actualmente mil milhões de dólares/ano a gastos militares não dispõe dos meios para promover sociedades de conhecimento para todos? Fundos substanciais para a educação e o saber poderiam também ser libertados por políticas de reforma corajosas destinadas a reduzir as despesas não produtivas, a melhorar a eficiência dos serviços públicos, modernizando a burocracia, eliminando subsídios ineficazes e combatendo a corrupção. Para responder ao desafio de um mundo profundamente dividido por disparidades de todos os tipos e para lidar com a contradição entre a natureza global dos problemas e a repartição do conhecimento, não há alternativa à sua partilha. Parafraseando um provérbio africano, o conhecimento é como o amor - é a única coisa que cresce ao ser partilhada.