terça-feira

A crise. Qual crise?

Ontem a TSF encontrou mais um motivo para fingir que escapa à ditadura impositiva da futebolítica e inventou um tema. Que tema: a crise. Que crise? O enunciado é sempre muito dobrado, sendo que o ponto de partida era o de que o povo não acredita que as coisas melhorem até 2007, bem antes pelo contrário. Consabidamente, nesses fóruns intervém um ou dois especialistas para enquadrar e especializar o tema e depois o povo desabafa no divã da tsf. Creio mesmo que esta é a Rádio Sem Fios que mais tem contribuído para e perca do poder de compra dos psiquiatras e congéneres, porque as consultas passam a dar-se na rádio e não nos gabinetes dos "médicos da tola" que, de entre todos os pacientes são os mais tontos de todos. Mas adiante. A dada altura, e só falo desta passagem única que ouvi, registo o Peres Metello dizendo as normalidades que os cegos, surdos e mudos estão já cansados de saber: as taxas de juro sobem, o dinheiro fica mais caro (sobretudo para quem tem crédito hipotecário), o "pitroil" também sobrecarrega o orçamento familiar dos tugas e portanto, portanto... a situação tende a piorar. Pois Não senhor! O senhor Metello resolveu dizer, apesar dos seus pressupostos estarem correctos, que a situação tendia a melhorar. Terá sido para fazer o jeito a Sócrates? Terei ouvido bem? Será ele mesmo um independente? Nesse momento ía-me espetando contra uma vitrine do Fonte Nova - repleta de lantejoulas onde já só via o Peres Metelo revestido a madre pérola colonizado com uma mega-peruca loira e muitos espanadores, como se fosse um perú gigante a levantar vôo ali para as bandas da 2ª Circular. Ainda assim, admito ter ouvido mal, por isso não queria ser injusto, ainda mais com o Metelo que trata a economia por tu, embora desconheça se a economia o trata assim a ele. Mas isso pouco importa. O que importa é que os tugas estão a ver a vida a andar para trás, mas os futebolistas ganham milhares de contos numa jogatana, ora isto é injusto, imoral e uma iniquidade do tamanho do mundo. Mas é para falar da crise que aqui estamos. Que crise se trata, afinal? Esta, diria, é uma crise macaca, não descola, um pouco como aquelas lapas que por vezes apanhamos na rua, no café, na vida. O meu cão, Dan, por vezes anda com carraças e também ela já se queixa da crise. Julgo mesmo que quando avista o Sócrates pelo televisor fica frustrado por não saber comunicar isso por palavras ao PM, por isso ladra e às vezes morde. Enfim, é normal nos cães: ladrarem, nós falamos. É isso que fazemos a propósito da crise. Trata-se, creio, duma crise múltipla, já que a economia nacional sofre cumulativamente duma crise de sustentabilidade, ligada à crise de atractividade, o que implica a periferização e a marginalização da nossa economia - pequena e muito dependente da Europa, e também denota que a região Europa deixou de atrair capitais e padece hoje duma crise de viabilidade identificada com o excessivo endividamento. E é esse passivo que nos impede de apresentar soluções neste nosso contexto de desenvolvimento condicionado. De tudo resulta uma conclusão estúpida: vivemos uma recessão, que são muitas crises ligadas entre si, todas cavando um poço cada vez mais fundo e lodacento. Onde cada vez nos movemos com mais dificuldade, e é aqui que aparece o génio Metelo mais as suas elocubrações de teoria micro-macro-económica capaz de fazer desmanchar a rir um Paul Samuelson ou mais recentemente um neokeneysiano da rádio-tv-pirata. De modo que os tugas ficam um pouco como as conclusões de Metelo: ficam sem saída, mas depois conclui que para 2007 isto vai melhorar. Genial, ou melhor, Bestial!!! Aquilo que o sr. economista de serviço da tsf & tvi e arredores (em Portugal parece que não há mais economistas, já que Miguel Beleza já ninguém leva a sério, salvo quando conta anedotas no programa de Dona Fátima Prós & Contras, Miguel Cadilhe incompatibilizou-se com Cavaco quando aquele decidiu imputar a origem do "monstro" do orçamento a Cavaco) e assim vai a nossa fonte de economistas, também vegeta na crise. Mais uma vez não queria ser injusto, até porque só ouvi uns 7 minutos de programa, mas creio que o sr. Metelo não percebe que os seus desejos económicos ou tendências políticas semi-ocultas criam um efeito de ilusão ainda maior nos eleitorados e no povo português que, como referi, se deita no divã da TSF na esperança de que a sua crise seja alí aniquilada nos dias da rádio. Mas não é. Confesso, por tudo, que já me enfastia ouvir as somas de banalidades do economista de serviço que não consegue perceber que é a tal crise de sustentabilidade que conduz a dinâmica de recessão, a qual faz empobrecer a sociedade que a impede de encontrar um equilíbrio futuro. Depois, para ajudar à festa, vem o vector político, i.é, as próprias condições de governabilidade que, apesar deste contexto singular ser dirigido por uma maioria absoluta, paradoxalmente, não tem conseguido criar o ritmo de crescimento homogéneo no país, e são esses desníveis e falhas de crescimento, modernização e desenvolvimento que aumenta a complexidade e a turbulência no sistema político e social português. Danificando cada vez mais os equilíbrios sociais, embora mantendo o sistema de privilégios a uns e penalizando a classe média que empobrece a olhos vistos, e qualquer dia faz de nós uma favela brasileira, um morro da rosinha com o aumento das tensões sociais que ameaçam generalizar-se a toda a sociedade. Neste sentido, em Portugal - não fora o narcotráfico da futebolomania - e já se estaria em ambiente de pré-guerra civil, no sentido em que a sociedade civil é fragmentada e dividida em grupos orientados por uma racionalidade de jogo de soma nula, onde o que cada um consegue defender corresponderá a uma perda para os outros grupos sociais, e isso é mau. Isto está em linha com aquela velha meretriz da globalização competitiva - que nos doutorou (para nada) - e que agora ameaça frontalmente o intervencinionismo de Estado, denunciando que este nem sequer tem poderes para interferir na manutenção duma maternidade, dum hospital e quando alargamos o especto dos indicadores de comparabilidade dos índices de desenvolvimento económico é como se alinhássemos umas matrafonas de 50 anos anos para cima num concurso de beleza ao lado das bellas donas que pautam as tendências de moda e descem a escadaria da passarelle de Milão ou de Paris. Não pode ser, em espaços abertos ficamos completamente nús, mostramos as banhas e as pregas das nossas mulheres e as mulheres do Centro e do ex-Leste europeu mostram músculo e nervo e muitas, muitas curvas e fragâncias que nem sequer sonhámos. Riem-se de nós. Em termos práticos, é isto que para mim (ou melhor para nós, senão estou como "o outro" com o eu penso, eu penso, eu penso, logo não existo) espelha o valor e dimensão da crise, que também já não se decide por recurso à velha argumentação ideológica, como ao tempo da (saudosa) Guerra Fria - em que se sabia onde estavam os inimigos, as armas, não havia terroristas, e era tudo mais previsível e negociado, um pouco como ao tempo do Salazar com o condicionamento industrial. A crise traduzia essa frustração decorrente da comparabilidade com os indicadores dos outros países, que além de terem mais economia e mais envergadura social têm também, imagine-se, menos índices de corrupção nas empresas, no Estado e nas universidades - onde os favores sexuais, as simpatias, os machismos, os sexismos, as portas trancadas decidem muitos recrutamentos. Hoje o campo de acção do Estado é como o da sociedade e da economia: uma miragem, é radicalmente distinto do campo de forças onde os operadores dantes actuavam. Hoje, tudo joga em open-space, tudo dança no mercado global. Em suma: o valor da crise - que hoje tanto nos consome - decorre desse efeito de bloqueio, desse fechamento, dessa incapacidade de neutralizar o poder superior, que vem de fora, soprado pelos ventos da globalização (que deslocaliza, que altera preços, valências e qualificações profissionais, requalifica factores de produção, que modifica o capital-social, cultural e económico na malha produtiva, que desprotege as economias nacionais mais vulneráveis como a portuguesa). Na prática, tal significa que o poder inferior não consegue neutralizar o poder superior, eis a evidência que jamais deve ser desconhecida para economistas e, sobretudo, para os dirigentes políticos. O problema maior, creio, reside numa deriva populista extra, pois apesar de o saberem, agentes políticos e analistas - persistem na referência ao modelo do passado, talvez assim possam proclamar a sua inocência caso as coisas corram mal e se possa, as usualy, transferir para terceiros a responsabilidade dos factos indomáveis para os tais agentes externos que ficam sempre por identificar. Dito doutro modo: a culpa morre sempre.... viúva.