segunda-feira

O analista e o político: a construção da verdade da mentira

Hoje mais do que nunca os papéis sociais do analista e do político se confrontam, ou de algum modo se contrastam. A falta de tema-notícia para além do futebol digno de credibilidade informativa, torna plausível esta afirmação. De facto, há duas maneiras de produzir o discurso sobre o nosso mundinho social. Isto é tanto mais óbvio a propósito da previsão dos factos sociais com relevância política.
Imaginemos um intelectual comum, um sociólogo, por exemplo, que faz uma previsão (falsa) sobre o state of art em Portugal. Ora isso não tem consequências de maior uma vez que só o implica a ele, sobretudo se ele quando analisa os tais factos sociais utiliza - ainda que de forma inconsciente e algo narcísica - a palavra na 1ª pessoa. Em duas articulações pode até referir a sua pessoa e o seu pensamento 4 vezes sem se dar conta. Desta feita, a única coisa que o move é a própria análise - mais até do que os factos sociais a que deveria reportar. Na prática, a caixinha negra é a caixa de transmissão dessa feira de vaidades que promove esses "eus" pequeninos, ainda que o discurso procure ser cosmopolita neste nosso universo da futebolítica em que todos os agentes do poder formal e mediático se envolveram.
Ao invés, um responsável político já é alguém que não se deve ficar pelos pavoneamentos dos "eus" múltiplos em pequenos exercícios de egotismos exacerbados. Um agente político é alguém que tem o poder de fazer existir aquilo que diz. É, aliás, essa faculdade que caracteriza a sua palavra de ordem e a linguagem que utiliza não é mais do que esse veículo autorizado. Ainda que o possa ser igualmente egoísta, mas a sua palavra - ao contrário das elocubrações do analista - terá de se traduzir a prazo numa vantagem para o bem comum que falava Aristóteles. Aqui o erro pode ser grave, um drama, uma tragédia mesmo. Já no caso do analista, a falsa verdade apenas penaliza alguns papalvos beatos que acreditam naquilo que ouvem; no caso do agente político o drama da falha pode assumir foros de tragédia. Daí a extrema importância do discurso político e de tudo o que ele implica para a vida da colectividade. Mesmo quando apenas se discute ou aprecia a futebolítica deste nosso mundinho - mais quadrado do que redondo.
Isto demonstra-nos, por outro lado, que existem várias formas de produzir a verdade que se encontram em concorrência e que têm cada uma delas os seus enviesamentos, as suas deturpações, as suas lentes sujas, enfim, os seus limites. Sobretudo, quando o discurso analítico é atípicamente auto-centrado, como quem redemoinha o seu próprio umbigo e julga aí encontrar as maravilhas do mundo e a felicidade desse paraíso púbico.
O analista não é senão responsável pela sua própria responsabilidade, e tende a reduzir o seu pensamento pensante numa circunferência de um pensamento militante; o político, ao invés, vive esmagado pela pressão de fazer aparecer as coisas que prometeu através do seu discurso.
Aquele vive a vida fazendo guerras sobre a verdade que têm lugar no seu próprio universo mental ou campo intelectual (ou ainda conjecturando perseguições, concebendo fantasmas, recriando cenários que nunca terão existência real, mas sempre tudo fazendo para dizer: eu existo - estou aqui!!!); este, o político, tem de demonstrar ao povo que governa que sabe converter uma promessa numa medida política, esta numa esperança que, por sua vez, produzirá uma determinada realidade em vista do bem comum.
É, infelizmente, neste jogo de ilusões, de promoções, de estratégias provisórias, de ocultações, de vaidades descomunais em que algumas pessoas perdem até o senso comum do relacionamento com o outro - ingressando mesmo no ridículo das representações da cornucópia - que se opera o actual campo de luta político-mediática em que, para todos os efeitos, terá sempre de haver um pólo dominante que esmaga o pólo dominado. E assim alguns políticos e também alguns analistas da nossa praça, imbuídos nas suas próprias ilusões do fim, julgam refazer a história, ou seja, fixar as novas balizas da esperança.
  • Nota: pergunte-se à vaca se ela não vive feliz e cheia de esperança nas pradarias onde pasta antes de cheirar os ferros da morte.. Uma morte que depois nos sacia, nos alegra, nos alimenta e nos permite crescer - felizes, saudáveis e vigorosos: alguns firmes e hirtos. A história sempre foi trágica, até a história do homem, apesar de ser ele que mata a vaca. Esta nunca se senta à mesa a comer a sua própria carne, ou a beber o seu próprio leite. Mas a minha maior desilusão foi ter descoberto já em adulto que o homem-aranha era gay (os gays que aqui me lêem que tenham paciência e me desculpem este capricho da memória). Cresci e consolidei toda a minha juventude e adolescência supondo que ele era um tipo diferente. Vê-lo ali - assim - a dançar ainda é mais penoso para mim do que descobrir agora que o Camões, afinal, tinha escrito o evangelho segundo zaramago.