sexta-feira

Neocorporativismo: os novos jornalistas e o "detonador"-Carrilho

O livro e a conduta (corajosa e incómoda) de Manuel Maria Carrilho vem despontar uma questão que toca no nervo sensível que intersecta o poder político e a chamada classe dos jornalistas, enquanto profissionais regulares de comunicação. Confesso que ainda não li o livro nem tenciono comprá-lo, embora reconheça valia intelectual ao pensamento e prosa de Carrilho. Sabemos, contudo, que já está agendada um Prós & Contras com a senhora dona Fátinha Campos Ferreira para tratar dessa questão, e ontem passou já um trailer do dito, em que dum lado aparece o filósofo Carrilho e outro senhor cujo nome me escapa, e do outro os "sábios" Ricardo Costa pendurado em Pacheco Pereira (pela banda da Sic). Desconhecemos ainda se Mário Crespo também vai defender a classe (da Sic que que acolheu depois de sair da RTP pela mão de Jose Eduardo Moniz). A coisa promete, esperemos seja um debate esclarecedora e pouco fulanizado. Mais racionalizado do que emotivo. E, já agora, que não partam o estúdio... E por uma razão simples: na Sic poderiam escavacá-lo todo, todinho, ao pontapé, à paulada, à cabeçada mas na RTP a coisa fia mais fino porque é paga pelos impostos de todos nós, portanto juizinho!!! senão o governo Sócrates vê nisso um óptimo pretexto para agravar os impostos!!! Carrilho lançou agora mais umas achas para a fogueira invectivando alguns jornalistas, especialmente aqueles que se "vendem" a coberto das máquinas que são as agências de comunicação (que trataremos na reflexão infra) - "novas donas do marketing eleitoral(eiro)" e que prometem o paraíso na terra. Parece-nos de grande relevância saber até que ponto é que a actividade dos media - no decurso duma qualquer investigação ou trabalho jornalístico - possa ter patrocinadores (ou clientes de Pub.) que o blog Jumento também denuncia hoje no seu editorial. Ou seja, de que forma aqueles que pagam o custo da Pub. (por exemplo, o Grupo BES ao Expresso - ameaçando este se continuasse a publicar notícias que eram desfavoráveis aos interesses do grupo financeiro - indispondo até Ricardo Salgado e Pinto Balsemão) - a interferir na liberdade e na responsabilidade dos jornalistas. Os quais podem, porque são humanos e têm interesses, valorizar mais os sinais de continuidade e de expansão ou a sinalizar os sinais de crise de recessão. Todos nós sabemos como fabricar uma notícia, todos nós sabemos que há milhares de maneiras de a publicar, omitir, valorizar, desvalorizar ou até queimar. Sendo certo, e para concluir esta nota prévia, que o erro do jornalista não é igual ao erro duma pessoa comum, do observador ocasional, que não tem acesso a informação sensível e tende a deixar vir para 1º plano as suas emoções e, portanto, os seus interesses (e gostos) particulares (como acusa Carrilho) em desfavor do suposto treino e racionalidade que um bom jornalista deve possuir. Até porque o código deontológico ao qual se obriga a isso o submete. O mesmo sucede aos médicos com o juramento de Hipócrates. Não obstante isso, alguns médicos, de forma negligente (e porque alguns são charlatães, como muitos advogados, docentes, mecânicos, pedreiros, primeiros-ministros, presidentes da Comisão Europeia, mangas-de-alpaca e conexos), também matam pessoas na mesa das operações, ou operam o pé direito quando o objectivo era operar o pé esquerdo, e depois quando já não restam mais pés - ataca-se o figado ou o pâncreas - quando, afinal, o paciente só tinha uma dor no pescoço. Enfim, é a vida, como diria o outro. O problema é ainda maior quando o jornalista, que não se deixa corromper, se ilude a si próprio de que está fazendo um trabalho sério, isento e credível. Quando assim é - nem as acusações de Carrilho colhem nem as pretensões dos jornalistas valem, mas caí-se num círculo vicioso de falsas falas, narrativas e confirmações que mesmo a mais retumbante evidência que seja demove uns e outros da sua cegueira pela busca da "Verdade" - suposta tradução da "Realidade". Já agora, o que é a Verdade e a Realidade(???) senão uma convenção dos homens num dado momento... De seguida sistematizo a nossa posição que resultou dum artigo já publicado na imprensa em Nov. de 2004 e que reza assim:
  • Reflexão:
  • - Em Portugal temos um Estado interventor e prestador de serviços ou fornecedor de recursos rentabilizados pelas novas corporações (leia-se agências de Pub.)? Observando o comportamento das novas Agências de Comunicação/AC, o Estado parece converter-se no último "mercado interno" imune às normas da competição internacional, íman para todas aquelas actividades profissionais que não encontram viabilidade fora das sua esfera de protecção.

- A questão essencial na relação dos grupos corporativos com o poder político é criar junto deste um efeito mágico de ilusão política como contrapartida de garantias distributivas. Em política o que não é dito, não existe, e as AC que fazem consultadoria no mercado político competem pela angariação dos melhores negócios junto de ministérios e gabinetes (e empresas do secor privado). Por seu turno, a popularidade dos políticos só persiste se aceitar satisfazer as expectativas distributivas. O círculo fecha-se de modo perfeito com os mercados do dinheiro e do poder. Um gera o outro. - A sociedade portuguesa vive hoje essa crise, dado que o Estado privilegia a distribuição e desvaloriza a produção: dele depende a continuidade distributiva; é também o centro de emprego. Reflexo da necessidade da perigosa relação entre as neocorporações e os agentes políticos. Ambos têm em comum o fito de usar o Estado para alimentarem a distribuição que suporta a popularidade. O corporativismo actual é, assim, um triturador da legitimidade popular e, ao mesmo tempo, usa os mecanismos democráticos para fazer prevalecer os seus interesses particulares imediatos. - A facilidade de acesso ao nervo da decisão política, a promessa duma licença, de um financiamento espelha o poder funcional desses players que protegem eleitores aristocráticos (que os remuneram) em desfavor das “multidões”. O que fazem, então, os cerca de 700 experts em comunicação política em Portugal? Contactos, angariação de negócios, compra de poder, influenciação de decisões, lobi. Tudo isto integra o perfil das AC, não por esta ordem necessáriamente. São operadores especializados na função de intermediação entre os candidatos e os eleitores, mas também entre os negócios e o poder político julgando criar imagens mobilizadoras dos comportamentos colectivos para reforçar a continuidade do poder. - No fundo, as AC reproduzem o modelo clássico do cacique local, agora privado da sua referenciação geográfica, passando a referenciar-se em função dos interesses (e das remunerações) profissionais. Como se dum momento para outro, distorcendo a regra do voto popular, estas AC organizassem “sindicatos de voto” afastando os eleitores da participação política e obrigando os candidatos a assumirem constrangimentos prévios limitadores da sua acção ulterior caso venham a conquistar o poder. A IPSIS (barrosista), a J. Líbano Monteiro & Ass., a UNIMAGEM, a Bairro Alto são alguns dos operadores denunciados pelo ex-director do “DN” (Fernando Lima) como estando na origem da sua humilhação-demissão. Lembram-se de como ele foi corrido do DN ao tempo de S. Lopes... E depois de como o nome de Clara F. Alves emergiu na arena - e a quem Vasco Pulido Valente disse que só tinha o 12º Ano...que deu origem depois a um processo judicial... - Mas a função do politólogo é desocultar a tendência do corporativismo dos interesses, mais sofisticado que o corporativismo doutrinal do séc. XX, já que se constitui como um “estado” dentro do Estado, servindo-se das instituições democráticas para satisfazer interesses particulares, sem estarem obrigados ao dever de solidariedade geral da polis. Olhando para o mercado político luso só se vê “elefantes e pulgas”. Neste jogo do Estado com as neocorporações não entra a classe média. O Estado é o elefante - pesado e lento que paga a factura às pulgas - ágeis, criativas e adaptáveis aos negócios. Não é fazer as coisas correctamente que é importante, mas fazer as coisas certas. - O problema é que o elefante (falido) somos nós todos; e as pulgas (AC) não deixam de se multiplicar em enxames para burilar "ideias" que iludem o poder e as multidões (foi isto que Carrilho ora denunciou...). É neste dreamworks que actores recolhem o dinheiro pago pelos contribuintes. Por isso, hoje só deveria poder aceder à política aqueles que passassem o teste do montanhista: quando se está a 2000 pés de altitude e se tem apenas os pés e as mãos agarradas à rocha, não se consegue pensar em mais nada..

  • Artigo publicado na imprensa em Nov. de 2004 e republicado no nosso livro nas págs. 85-87 - Em busca da Globalização Feliz - Análise e Reflexão Política, Hugin, 2005.
  • Nestas análises busco a face de Deus. Espero que não me condenem ao inferno