segunda-feira

O futuro-pretérito de Portugal. As heli-presidenciais

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  • Artigo publicado em Agosto de 2005.
O futuro-pretérito de Portugal. As heli-presidenciais
  • Falar de Portugal com os actuais personagens que se perfilam a Belém é como falar do drama daqueles que carregam no fígado as caves do Abel Pereira da Fonseca. É como atar o cordão umbilical ao pescoço. Não existem conceitos políticos válidos para avaliar este caos. Daqui decorre a ideia do Dr. Mário Soares entender que tem ideias e um projecto político para Portugal a partir de Belém. O Expresso apresentou a sondagem, arrumou matematicamente os candidatos, e todos se precipitaram para o banquete (salvo Cavaco): Aníbal está na pole position, Soares segue-lhe; e, em 3º lugar, o eterno Freitas – o virtuoso perdedor. Alegre tem carácter, mas não conta politicamente. É um triste poeta que julga ainda viver a agonia de Salazar e do regime. Ora, quem gosta de Portugal não pode deixar de pensar que a herança é bárbara: na economia, na sociedade e, sobretudo, na política com a renovação falhada.
  • Os indicadores socio-económicos são conhecidos, os responsáveis também. Tudo nos afasta da Europa e do mundo desenvolvido. Por isso, demos uma volta de helicóptero pelo País para desenhar o mapa político a partir dos céus. O norte produz riqueza e agitação. Temos o Eng.º Belmiro e Pinto da Costa. Mas a cidade termina no estádio do Dragão. É um espaço económico, não político. A sul temos a 2ª Circular e o Estádio da Luz iluminado pelo Glorioso. Mais a norte da cidade de Lisboa temos o Campo Grande que, por prudência, convém traçar uma linha divisória com o Hospital Júlio de Matos, Largo do Rato e rua de S. Bento.
  • A sul do rio Tejo, a “outra banda” não segrega nem política nem economia, só sol e praia. No lado ocidental de Lisboa, temos a Ajuda que alberga o País formal, apesar de termos de ignorar toda a ”Ajuda” que de lá vem. Que se estende a Alcântara até ao Aqueduto das Águas livres, pólo de seringas descartáveis. Mas a este mapa ainda se junta o observatório do desemprego: meio milhão de desempregados, muitos deles licenciados, mas nenhum é filho de ministro (ou ex-m.).
  • Não há investimento, não há poupança, não há ideias nem projectos mobilizadores, só há consumo e vontade de poder em o (tal) Campo Grande requerer (pela 3ª vez) o direito de admissão a Belém, qui ça, para unir a Praça do Império a qualquer coisa que dê votos e daí fazer um esplendoroso lar de 3ª Idade que se dedique ao brainstorming diário. Com Soares a interpelar o País e J. Carlos Espada a anotar os registos dessas ideias vazias no Expresso.
  • Freitas, visto de heli, oferece uma toponímia perigosa e repelente: é que a Quinta da Marinha é luxúria ofensiva para o povo encaixar em urnas. Apesar de ser de entre os três o mais intelectualmente estruturado, Freitas tem um passado comprometido com o cinzentismo salazarista e a timidez democrática, que se diz do Centro (por causa da bola que é equidistante). O seu problema é que é um aristocrata snob – como Eça – que tem sempre razão antes do tempo. Mas tal como o romancista, está-se a marimbar para a plebe. Isto é fatal em política, e acabará (como Carrilho em Lisboa) por ser desprezado por todos. Para que o país real votasse em Freitas era preciso que a piza urbana se sobrepusesse ao lavagante da Quinta Marinha. Só que os tugas não são mentecaptos e sabem que os políticos vão de novo prometer o paraíso na terra, mesmo não havendo mesa para comer as pizas.
  • Resta Cavaco, o mais humilde. É aquele que oferece uma toponímia mais plana, promissora, jovial e enérgica a partir da Travessa do Possolo. É ele que vai matar a sede à malta com capilé e pôr Portugal no carrefour do desenvolvimento. É o mais técnico (e o menos político dos três). Logo, o que menos instabilidade política suscitará a Sócrates (que cairá com a OTA e o TGV).
  • Quando o heli aterrou esbarrei com o Portugal do futuro-pretérito: a franqueza e a doçura, a bondade imensa, os fogachos que logo se esfumam. A generosidade e o desleixo, a trapalhada nos negócios, kilos de honra e escrúpulos e uma imaginação que leva à mentira: ao passadismo, à vaidade gerontocrática e narcísica, que ensandeceu, e jamais se desapega do perfume do poder. A desconfiança de si para logo emergir como um herói. Isto não é (só) o Portugal de Eça (n’A Ilustre Casa de Ramires) é, também, o Portugal de Soares e Freitas. O Portugal do séc. XXI-XIX.
  • Pensar a Política à portuguesa de heli neste caos é, hoje, como realizar uma prova de hipismo com o cavalo embriagado.
in revista Tempo - Agosto/2005
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