sexta-feira

Alianças adquiridas - por António Vitorino -

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Todos sabíamos que a entrada em vigor do novo quadro institucional da União Europeia, adoptado pelo Tratado de Lisboa, não seria isenta de dificuldades. Com efeito, não é da noite para o dia que se constrói uma plataforma destinada a as-sumir o protagonismo correspondente ao peso e às ambições da União no mundo global.
Esta semana soube-se que o Presidente Barak Obama decidiu não estar presente na Cimeira UE-EUA prevista para Madrid, em Maio próximo. O resultado mais provável será o adiamento desta cimeira. O que sucede pela primeira vez em dez anos de cimeiras bilaterais!
Esta decisão do Presidente americano não pode ser imputada à responsabilidade da presidência rotativa espanhola, como se apressaram a fazer alguns dos detractores de Zapatero, quer em Espanha quer entre nós. Nem tão pouco se pode levar a sério a explicação balbuciada por um porta-voz do Departamento de Estado americano, invocando a "confusão" criada pelo novo quadro institucional da União (entre o presidente do Conselho Europeu, a Comissão, a alta-representante e a presidência rotativa).
A decisão do Presidente americano pode, em parte, explicar-se por razões de política interna, onde as coisas estão difíceis para a Administração Obama. Mas só em parte.
Esta decisão insólita revela que algo vai mal nas relações transatlânticas.
Os europeus gostam muito de falar das relações especiais com os EUA, para alguns mesmo mais especiais do que para outros, mas todos, por junto, dão por adquirido o estatuto de "aliado preferencial" dos americanos. Esta convicção foi abalada durante os anos Bush, mas pensava-se que bastaria o regresso de uma Administração democrata para tudo voltar a ser como dantes. Os europeus falam muito da relação transatlântica, mas cuidam pouco dela, esse é que é o facto que conta!
Quando Obama se dirigiu à União Europeia sobre o que fazer no Afeganistão, recebeu um feixe de respostas dispersas sem visão de conjunto, quando esperava uma resposta uníssona.
Os europeus nem sequer pestanejaram perante a mensagem que estavam a dar a Washington nem se preocuparam muito com o que iria concluir a nova Administração americana num tema difícil onde os autodenominados "aliados preferenciais" não davam sinais de um pequeno esforço comum.
No final da Conferência de Copenhaga, os europeus preferiram fingir que não percebiam o sinal dado pelo acordo final entre os EUA, a China, o Brasil, a Índia e a África do Sul. Refugiaram-se num silêncio envergonhado ou numa retórica do estilo "tudo está bem quando se vai no bom caminho". É pouco para um "aliado preferencial", convenhamos.
Há duas semanas, a secretária da Segurança Interna americana insistiu em ser convidada para a reunião dos ministros do Interior e da Justiça da União Europeia, na sequência do atentado abortado num voo de Amesterdão para Detroit no dia de Natal. Mais uma vez os europeus apresentaram-se numa frente desunida, mais defensiva do que propositiva, sem uma visão consolidada das prioridades na luta antiterrorista, tudo enroupado numa linguagem redonda que decerto terá sido recebida com decepção em Washington.
Os americanos têm uma visão dos seus interesses muito orientada pela necessidade de obtenção de resultados. Essa visão, na Europa, é muitas vezes considerada como simplista ou pouco sofisticada. Mas sendo assim, os europeus não se podem surpreender que os EUA avaliem as relações transatlânticas numa óptica custo/benefício em cada domínio de interacção.
A conclusão a tirar é, pois, a de que, na óptica americana, para a Cimeira de Maio não havia na mesa nem substância nem expectativas que justificassem o esforço de atravessar o Atlântico! Antes de reagirmos como virgens ofendidas, melhor seria fazermos bem o trabalho de casa. Até para garantir que Obama venha mesmo, em Novembro, a Lisboa para aprovar o novo conceito estratégico da NATO. É que em matéria de alianças, nada se deve ter por adquirido para todo o sempre!
Obs: António Vitorino tem razão, além de ter memória, tal como os decision-makers norte-americanos. E "amor com amor se paga..." Ficou aqui patente o conceito de Europa-oportunista e egoista - que só se lembra dos aliados do Tio Sam quando está em apuros. Poderíamos ainda invocar o comportamento da dita Europa relativamente ao encerramento da prisão de Guantanamo - que revelou, mais uma vez, oportunismo e fragmentação dos Estados da UE face ao seu velho aliado norte-americano que, em matéria de consensos em política internacional, comporta-se como os Estados do Velho Continente ao tempo das guerras religiosas.