sexta-feira

"Sem interesse" - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso.
Sem interesse, in DN
por António Vitorino
Não é legítimo invocar 'falta de interesse' perante decisões que nos tocam enquanto consumidores.
Uma recente sondagem indicava que, nesta fase da pré-campanha para as eleições europeias do próximo dia 7 de Junho, cerca de 36% dos portugueses já tinham a certeza de que não iriam às urnas, por contraponto aos cerca de 39% que têm intenção de exercer o direito de voto.
Perguntados os abstencionistas declarados sobre as razões da sua decisão, a maioria de entre eles indica como fundamento "porque estas eleições não têm interesse". Este argumento da falta de interesse pode corresponder a uma variedade de sentimentos ou apreciações que não são fáceis de identificar à partida.
Com efeito, numa eleição há sempre uma escolha e nessa escolha estão envolvidas opções que vão desde punir quem não se escolhe até premiar quem se elege. Nas eleições nacionais, este leque de opções traduz-se no exercício da alternância democrática.
Ora não se pode deixar de reconhecer que este tipo de dilema "recompensa/punição" através do voto não é o critério dominante das eleições para o Parlamento Europeu. Pelo menos naquilo que a escolha envolve a própria composição do Parlamento a eleger, já que não será exactamente assim para quem pretender fazer das eleições europeias um mero palco para exprimir estados de espírito ou de vontade em relação à política nacional…
Uma vez que da eleição do Parlamento Europeu não emerge um (aliás inexistente) governo europeu, a escolha assente naquele binómio resulta, de facto, diluída. E mesmo que os resultados dessa eleição possam influir na ulterior escolha do Presidente da Comissão, mesmo assim tal influência é apenas indirecta e tem sempre de ter em linha de conta que a primeira instância de selecção do candidato a presidente da Comissão é o Conselho Europeu, ou seja, a instância da União onde estão representados os Estados membros ao seu mais alto nível.
Por isso se diz que às eleições para o Parlamento Europeu falta "drama" e que sem a tensão da lógica da recompensa e da punição resulta enfraquecida a mobilização para a participação dos eleitores.
Contudo, se deste nebuloso conceito de "falta de interesse" tivermos uma visão um tudo nada mais ampla, focando, por exemplo, a substância das opções políticas que o novo Parlamento Europeu será chamado a tomar, então será bom que quem desvaloriza a participação no acto eleitoral tenha consciência de que está a permitir que decisões relevantes para a sua vida quotidiana sejam tomadas à margem da sua vontade e eventualmente até… contra os seus "interesses".
Desde logo porque, como tem sido repetido incessantemente, mais de 60% das leis nacionais são, directa ou indirectamente, condicionadas pela legislação europeia, adoptada em conjunto pelo Conselho e pelo Parlamento Europeu. Por muito que alguns políticos a nível nacional silenciem este facto, não é legítimo invocar "falta de interesse" perante decisões que nos tocam enquanto consumidores, enquanto cidadãos, enquanto trabalhadores e enquanto contribuintes. São muitos interesses pessoais em jogo para recusar ver o "interesse" destas eleições.
Acresce que, na presente conjuntura de crise global, o nosso destino colectivo passa por sair da crise tanto quanto por definir as regras futuras do sistema económico e financeiro que evitem a eclosão no futuro de novas crises com estas características. Ora o Parlamento Europeu a eleger a 7 de Junho vai ter de decidir sobre a nova arquitectura de supervisão e de regulação dos bancos, dos fundos de investimento, das praças financeiras (incluindo o relacionamento com as denominadas offshores), sobre os limites do crédito e do endividamento das instituições financeiras em relação ao respectivo capital, sobre a transparência e a informação aos consumidores dos produtos financeiros em que são aplicadas as nossas poupanças e os fundos que pagam as nossas pensões de reforma e de aposentação.
Será que quem sofre quotidianamente as consequências desta crise, quem perde ou vê o seu emprego em risco, quem vê postas em causa as suas poupanças ou a sua pensão pode ingenuamente deixar-se convencer que nada disto "tem interesse" e que lhe é indiferente quem vai decidir sobre estas questões no Parlamento Europeu?
Obs: Reconheça-se, objectivamente, interesse vital nestas eleições europeias, porque delas dependerá grande parte da qualidade de vida do nosso futuro colectivo.