sexta-feira

Reuniões históricas - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso.
António Vitorino
Já não me lembro que personagem confessava nas suas memórias que, tendo participado em várias cimeiras internacionais, nunca sabia no fim de cada uma delas se teria estado numa das tais reuniões históricas que como tal seriam recordadas por muitos anos.
Também nós não sabemos se nestes próximos dias iremos assistir a alguma reunião histórica, mas sim o que sabemos é que o estado do mundo aconselharia a que em Londres, em Estrasburgo e em Praga ocorressem reuniões que pudessem merecer tal qualificativo durante muitos anos.
Naturalmente as atenções estão centradas na Cimeira do G20, em Londres, tal o peso determinante da crise económica global no nosso quotidiano. Mas a economia não pode fazer esquecer as outras dimensões da vida internacional, a começar pela segurança internacional e a luta antiterrorista, para o que será necessário encontrar um novo rumo no âmbito da Cimeira da NATO em Estrasburgo, numa altura em que a Administração americana apresenta uma proposta de abordagem conjunta da situação no Afeganistão e em que simbolicamente a França faz a sua reentrada na estrutura militar da Aliança Atlântica.
Logo a seguir, na capital checa, ocorrerá um encontro destinado a relançar a parceria euro-atlântica, numa reunião que reunirá o novo Presidente americano com os chefes de Estado e de governo da União Europeia.
As conclusões de cada um destes encontros vão ter distintos matizes, sendo que naturalmente a grande expectativa rodeia a primeira delas, quanto ao grau de ambição no relançamento da economia global e na definição dos princípios fundamentais de uma nova arquitectura financeira.
Mas o capital de esperança que resultou da eleição do novo Presidente americano será igualmente posto à prova nas reuniões da NATO e com a União Europeia, na precisa medida em que as questões da paz e da segurança internacionais continuam a ser cruciais e não desaparecem da cena global por efeito da crise económica e financeira.
Espera-se que todos os parceiros tenham feito o respectivo trabalho de casa, sem o que estas várias reuniões não passarão de "oportunidades para a fotografia" que acabariam por não criar um novo alento quanto aos rumos a seguir nos próximos tempos no plano global.
A realização destas cimeiras constitui provavelmente o impulso mais relevante para aqueles que acreditam (e sempre acreditaram) em soluções multilaterais para os problemas globais. E se a reunião de Praga é uma reunião de parceiros privilegiados e a de Estrasburgo entre aliados, já a Cimeira de Londres expõe um "animal" mais estranho: o chamado G20, o grupo das vinte (e poucas…) economias mais desenvolvidas e mais pujantemente emergentes à escala global.
Em bom rigor esta formação do G20 permanece uma incógnita como instância de debate político e de decisão. A sua composição revela uma preocupação salutar de soluções mais inclusivas e abrangentes, para além do já consagrado grupo dos sete países mais ricos do mundo e da Rússia (o G8). Mas o seu equilíbrio interno é muito questionável (bastando pensar que de todo o continente africano nele apenas figura a África do Sul…). Por isso, se o G20 pode aparecer como um instrumento com inegável potencial no actual momento de crise económica e financeira global, convém ter presente que a efectiva aplicação daquilo que ele decidir vai depender também do protagonismo e da mobilização de outras instâncias internacionais, desde logo as organizações regionais como a União Europeia, o Mercosur, a ASEM ou a União Africana.
As conclusões da Cimeira de Londres permitirão aferir melhor o potencial futuro do G20, sabendo-se já, contudo, que ela será apenas um começo de um longo caminho a percorrer tendo em vista relançar a economia global e definir um novo quadro regulatório do sistema financeiro internacional. As acções concretas a empreender na sua senda e os resultados que elas produzirem permitirão saber, daqui a alguns anos, se se tratou de uma reunião histórica ou apenas de uma oportunidade perdida ainda que bem encenada…
Obs: António Vitorino espelha aqui bem a necessidade de enquadrar a política, a alta política, em toda a sua dimensão: economia.., mas também segurança - que passa pelo combate (preventivo e repressivo) ao terrorismo globalitário que do arco muçulmano que vai de Marrocos até à Indonésia acumula as suas razões de queixa relativamente ao Ocidente pos-industrializado - cujo output se traduz em atentados terroristas nos vários pontos do mundo onde o pâncico melhor poderá produzir as suas vítimas e ampliar os seus efeitos psico-políticos.
No fundo, António Vitorino vem aqui confirmar que a política é, simultaneamente, a arte mais nobre onde o teatro de operações se desenrola, mas também pode descambar na mais triste representação de uma peça miserável num teatro de província cujo filme ainda rodado a super-8. Esperemos, contudo, que vingue aquela versão desta representação cénica global, até para fazer o revisionismo de um pensamento histórico celebrizado por Bismarck no séc. XIX: ou há canhões ou à manteiga.
Actualmente, as sociedades modernas do nosso tempo desejam garantir esses dois valores: prosperidade e segurança. De resto, de nada servirá um sem o outro. Ou melhor, quanto mais seguro for hoje um país mais próspero ele tenderá a tornar-se, desde logo pela captação de investimentos, produção de riqueza, empregos e coesão social.
E por falar em representação na cimeira do G20 em Londres, esse "animal estranho", alguém, por acaso, notou a eficiente performance de Barack Obama?!
Primeiro, a sua esposa, Michelle, pôs a mão na cintura da rainha Isabel, esta também retribuíu o gesto, mandando para o caixote do lixo da história séculos de protocolo real; por outro lado, Obama, como estreante nas cimeiras internacionais, disse apenas que iria aprender, mas no final acabou com uma declaração política - porque abrangente e altamente desenvolvimentista - assumindo-se como uma espécie de porta-vox dos povos mudos do mundo que alí não estava representados.
Neste ordem, arrisco-me a dizer que o combate ao terrorismo global reside apenas nas declarações de Obama, o que a ser assim fará deste homem verdadeiramente excepcional um misto de Mahatma Gandhi com Madre Teresa de Calcutá. Além dos milhões que se poupariam em segurança...
Seria bom convidá-lo para vir a Portugal, a fim de aqui operar os milagres que tanto desejamos.