sábado

Litost a Sócrates. Evocação de Milan Kundera

Sócrates, através do caso Freeport, mas também do caso da UnI e por força de um conjunto de reformas que empreendeu contra interesses corporativos muito vincados na sociedade portuguesa, a que se soma um estilo e uma personalidade desafiante e combativa, está hoje a ser o "saco de boxe" da inércia (em grande medida voluntária e canalha) de boa parte do aparelho de Justiça - que podendo fazer justiça, não a faz para queimar o PM em funções em lume brando, como defende, e bem, Miguel Sousa Tavares no seu artigo do Expresso que aqui republicamos.
Alguma majistratura, alguns media, algumas corporações estão hoje na linha da frente desse ataque cerrado a Sócrates, isso é tão óbvio como dizer que os desertos estão repletos de areia ou os oceanos cheios de água.
Aliás, nunca como agora se verificou a vigência dum mecanismo psicopolítico de ódio alicerçado naqueles dois ou três vectores: freeport, UnI/licenciatura... Ou seja, o passivo das reformas do Governo de Sócrates encontra na Litost - que é uma espécie de motor a dois tempos, como explica Kundera: ao sentimento de angústia (e os magistrados andavam muito angustiados com a perda de mordomias medievais) sucede-se, doravante, e ao vapor de Alcochete, animado por um charlatão de circo chamado Charles Smith (personagem tão ridículo quanto bizarro) - o desejo de vingança.
E o caso Freeport é, génetica e estruturalmente (a forma como nasceu e se desenvolveu demonstra-o cabalmente) - a corporização dessa vendetta política. Mas não é uma vendetta qualquer, ela além de querer assassinar politicamente o PM de Portugal visa, cumulativamente, mostrar que ele é miserável e indigno do cargo que desempenha. Um duplo assassinato político e moral, portanto.
É óbvio, e Miguel Sousa Tavares explicita-o de forma eficiente no seu artigo, que este caso Freeport vai morrer à praia (será arquivado por falta de provas), e o País, mais uma vez, à semelhança do caso Casa Pia em que rolaram cabeças políticas, ficará a saber quão miserável é a Justiça que Portugal e os portugueses têm.
Como temos aqui defendido várias vezes, quem se deveria sentar no banco dos reús, neste e em inúmeros outros casos de justiça, era a própia Justiça.
Mas daí resultaria um problema tão inevitável quanto insanavél nas democracias pluralistas e nos estados de direito das sociedades contemporâneas: quem julgaria os juízes?!
Quem guarda os guardas?
Enfim, é um velho problema de filosofia política colocado por Platão - e para o qual não há escapatória possível...
Para já a magistratura, o MP e o aparelho de Justiça em Portugal estão desacreditados, curiosamente, o Governo em funções comanda as intenções de voto e faz o que lhe compete fazer num período de grande turbulência: Governar.