segunda-feira

António Vitorino deu algumas pistas à Europa (social). Um contributo à actual incumbência bruxelense

Hoje António Vitorino partilhou algumas ideias de como Portugal (e a Europa em geral) podem limitar os estragos desta globalização predatória, feita de desinvestimento, falências, desemprego e desalento. Sobretudo, numa Europa sem liderança e a navegar à vista e muitos discursos poliglotas, contrariando o ciclo de pujança económica e de visão política legada por Jacques Delors.
Depois de se compreender as razões sociais da manifestação da CGTP-PCP e de se reconhecer o habitual parasitismo politiqueiro do partido mais radical do espectro político (o BE) - haverá vantagem para a economia portuguesa em começar já a gizar um Acordo Geral entre Parceiros Sociais e Governo para se encontrar um entendimento quanto à política futura de salários e rendimentos.
Isto implica que os sindicatos suavizem as suas posições a fim de permitir a flexibilização do trabalho, que levaria as empresas a não encerrar portas com a premência com que o fazem hoje; e ao Governo pelo seu lado, a multiplicar as políticas activas para manter os postos de trabalho existentes e canalizando políticas públicas alternativas para aqueles que ainda se encontram fora do mercado de trabalho.
No fundo, pedindo mais responsabilidade social a ambos: Governo e parceiros sociais. Mas entre a CGTP e o PCP a fronteira há muito que se dissolveu, e em período pré-eleitoral ela, de facto, não existe. Na manifestação vimos Jerónimo e Louçã berrar mais do que Carvalho da Silva - que até dá uma péssima imagem de si, já que dá provas de um verdadeiro geronte à frente da CGTP em Portugal. Ele só tem par à frente da CGTP com Al berto joão Jardim à frente do Governo regional da Madeira, vai para 30 anos... É a isto que se chama o "rotativismo democrático" no movimento sindical português. E Louçã, como bom oportunista, lá estava a roubar o protagonismo ao camarada torneiro-mecânico da Lisnave, Jerónimo de Sousa.
Mas é óbvio que um País que fizer este tipo de Acordo de Concertação Social está a limitar as possibilidades de investimento estrangeiro na economia nacional, e, indirectamente, a retrair o consumo e a dinâmica da actividade económica geral. Tudo que tem uma "bela" encontra um "senão". Mas talvez seja a forma mais racional para proteger as pessoas mais vulneráveis dos choques económicos súbitos, garantindo índices de prosperidade mínimos mas condignos nesta conjuntura recessiva - da qual não sabemos quando sair.
No fundo, vimos um António Vitorino, tantas vezes acusado de defender o grande capital, para recuperar a terminologia marxista, agora a promover políticas sociais e económicas que vão ao encontro da classe média-baixa e que dão um excelente pretexto aos poderes públicos para - concomitantemente - combaterem as desigualdades sociais que lavram em Portugal.
A 2ª parte da intervenção incidiu sobre transparência em matéria de of-shores. Não para postular o seu desaparecimento, o que seria uma utopia só alavancada se todos os governos do mundo pensassem o mesmo ao mesmo tempo (um anacronismo!!!), mas para reconhecer a novidade da Suíça que resolveu - quiça pressionada pelos "25" do G20 - levantar os sigilo bancário sempre que as autoridades judiciárias o solicitarem. E aqui António Vitorino falou com a propriedade de quem já negociou com aqueles players reconhecendo o contraste existente entre as leis suíças (tradicionalmente mais duras) e as leis doutros países (mais liberais). O que significa que aqui algo estará a mudar no sentido de uma maior transparência e accountability nesses paraísos fiscais.
Na prática, segundo entendi, isto pode significar menos evasão e fraude fiscais, logo mais impostos arrecadados pelas máquinas fiscais dos Estados que, assim, podem racionalizar melhor as suas receitas e canalizá-las para políticas públicas sociais mais eficientes nesta pescadinha-de-rabo-na-boca que é a governança contemporânea.
Mas o mais curioso foi notar em como num simples programa de televisão, com metade do tempo que tem o da concorrência e, ainda por cima, isento de intriga palaciana e de vichisoise apodrecida consumida pelo tempo, onde a análise já se confunde com a reflexão e algum planeamento político com vista à estruturação de medidas passíveis de serem aproveitadas e maximizadas em contexto de governação, compreendemos os impulsos que esta nossa querida Europa já teria ganho caso António Vitorino tivesse sido, como devia, o Presidente da Comissão Europeia.
De resto, então foi essa a opinião do colégio de Comissários que lhe reconheceu valia política mas, sobretudo, elevada competência técnica no domínio dos dossiers. Numa palavra: a Europa com António Vitorino seria hoje inevitavelmente melhor daquilo que ela é com esta imcumbência de Barroso.
Digamos que a marca d´água de Barroso à frente da Comissão Europeia se traduziu a acartar a velha saca de farinha no Darfur sob as câmaras de tv da CNN; a Europa de António Vitorino seria uma Europa social mais forte e coesa, preservadora de mais equilíbrios sociais integrando a tendência duma decent working society.
Ou seja, aquilo que depreendi das palavras de António Vitorino no programa Notas Soltas d' hoje - foi uma preocupação que está em linha com o manifesto da Organização Internacional do Trabalho (OIT), levando ao limite uma ideia que pode (e deve) ser aproveitada nesse "tal" novo contrato social que, assente no trabalho organizado e flexível não descura padrões de dignidade moralmente aceitáveis.
Vimos, no fundo, um António Vitorino defensor de políticas convergentes com os interesses da economia real portuguesa e, por extensão, promotora dos legítimos interesses da classe média-baixa - que é quem hoje mais sofre em Portugal.
Dir-se-á: estamos num ano eleitoral, logo António Vitorino está a ajudar o Governo a governar. Mas para mal dos nossos pecados, AV já vem defendendo essa postura de negociação com o movimento sindical português desde 2006, e, que eu saiba, nesse ano não havia eleições (ver links abaixo)
É a vida, como diria o outro...