Sugestões para a esquerda - por Francisco Sarsfield Cabral -
O sublinhado é nosso.
Sugestões para a esquerda, in Público
Os últimos meses abalaram a economia de mercado e em especial o capitalismo financeiro. A crise levou à entrada em força do Estado nos mercados, nos bancos e nas empresas, muitas vezes a pedido dos próprios empresários. Os que agora se queixam é de não receberem ajuda do Estado.
Acabou o ciclo durante o qual o mercado foi sacralizado. Perdeu brilho o capitalismo anglo-saxónico, económica e financeiramente mais liberal. Mas o capitalismo não acabou nem está ferido de morte. Pois se isso não aconteceu, sequer, quando a depressão dos anos 30 era dramática e no terreno havia alternativas ao capitalismo democrático, os totalitarismos soviético e nazi...
Felizmente, essas alternativas é que desapareceram. Os socialistas, na sua origem anti-capitalistas, converteram-se entretanto ao mercado. Embora festeje a oportunidade que a crise supostamente lhe oferece, a esquerda não está a aproveitá-la. Quase só pode exibir Obama, que não é socialista. E Obama veio estragar uma bandeira tradicional da esquerda, o anti-americanismo.
Na Europa, a esquerda não beneficia politicamente com a crise do chamado neo-liberalismo. Limita-se a defender, apenas, uma maior intervenção do Estado. Em França e na Alemanha, por exemplo, os socialistas atravessam uma fase difícil. Na América Latina, com Chavez e os seus amigos, emergiu uma esquerda populista cuja atracção se desvanecerá se o barril de petróleo se mantiver a preço baixo.
Claro que os esquerdistas “de protesto” se agitam. Mas como podem o estalinismo, o trotskysmo e o maoísmo reciclados apresentar algo de novo e positivo? O mesmo se diga dos adversários da globalização, que se especializaram em manifestações e violências de rua. Pouco mais trouxeram ao debate do que uma velha proposta (de 1971), aliás repudiada pelo seu autor para os efeitos pretendidos pelos “alter-mundialistas” (a taxa Tobin, sobre transacções cambiais).
Um dos desafios do séc. XXI é enquadrar politicamente a globalização. Caso contrário, o poder económico cada vez mais se irá sobrepor ao poder político. E como os gestores não respondem perante os cidadãos, mas perante os accionistas, a democracia perderá sentido.
Um contributo para enfrentar este problema seria intensificar a integração europeia. A partilha de soberania, exercida em comum pelos países membros da UE em várias áreas, é uma resposta à erosão do poder dos Estados na era da globalização. Mas a esquerda anti-capitalista também é anti-europeia.
Por outro lado, enquadrar politicamente a globalização implica reforçar o direito internacional e reformar as organizações internacionais - e não destruí-las, como muitos opositores da globalização defendem. Com Obama na Casa Branca, há aí uma esperança. Mas pouco de concreto tem sugerido a esquerda europeia a tal respeito (Gordon Brown será a excepção que confirma a regra).
E importa que a esquerda perceba que dá um tiro no pé ao combater a “globalização selvagem” com proteccionismos – impedindo importações dos países pobres, dificultando deslocalizações de empresas, subsidiando as suas indústrias, etc. A esquerda não gosta do comércio livre, porque lhe repugna o negócio.
Não se dá conta de que o proteccionismo não é apenas negativo para os países, geralmente pobres, a quem se impede de exportar, às vezes com o argumento hipócrita da preocupação com a falta de direitos sociais nesses países. O proteccionismo prejudica, também, os países que o adoptam, ao travar aí uma mais eficaz aplicação de recursos.
O proteccionismo representa uma clara prevalência de interesses sectoriais, juntando patrões e trabalhadores, contra o interesse geral. Os interesses sectoriais conquistam os políticos, ao falarem mais alto do que o difuso interesse geral – incluindo o bem comum mundial, já que o proteccionismo agravará a crise global. Não será de esquerda defender o interesse geral?
Não obstante solenes declarações repudiando o proteccionismo, este avança em vários países – França, Rússia, Índia, Indonésia... Falharam as negociações do “round” de Doha sobre comércio internacional. E já aqui exprimi dúvidas sobre a capacidade de Obama para resistir à tentação proteccionista, face à crise.
Com a direita na defensiva, a esquerda deveria agarrar estas questões e propor políticas inovadoras. Até agora não o fez em escala que se visse.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista Obs: O Francisco repensa a Esquerda no Mundo, na Europa e, só faltou dizer como deveria ela posicionar-se no plano nacional, tomando em linha de conta aspectos concretos da governação. Faltou, a meu ver, esse parágrafo.
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