sexta-feira

O caos e a necessidade de um novo pensamento político em Portugal

Entre a previsibilidade e normalidade da mensagem de Ano Novo do PR ao País e a necessidade de dispôr de um plano de contingência que previsse mecanismos e soluções para situações sociais, financeiras e económicas de grande aperto - vai um fosso enorme. Ou seja, os mais exigentes esperariam que a mensagem de Cavaco fosse mais acutilante, incisiva, criativa, imaginativa e, ao mesmo tempo, realizável. Mas, de facto, conhecendo os portugueses a formação, a personalidade (rígida) e o perfil de Cavaco seria um milagre que algo diferente da normalidade acontecesse.
Ora, os tempos são hoje caóticos. Todos hoje estamos confrontadaos com a incerteza, intensificada pela mudança acelerada de comportamentos nos mercados e na economia que gera uma inquietação acrescida nas pessoas e nas organizações em sociedade.
É precisamente aqui que bate o ponto: é em momentos de crise que as populações exigem líderes com grande capacidade de planeamento político para surpreender a incerteza através de múltiplas alternativas e escapatórias, o que exige sempre pensar em várias opções para cada problema sectorial da governação - que hoje não existe e que o PR, manifestamente, não tem sido capaz de equacionar, propôr e até realizar nos termos dos seus poderes constitucionais, sem colidir com os poderes do Governo e da AR. E é aqui que Cavaco denuncia a sua grande fragilidade política, técnica e cultural no exercício do poder presidencial. O que era esperado por quem estuda os materiais políticos e já vai conhecendo a personalidade dos actores políticos em Portugal. Portanto, nada de novo sob os céus.
A equipa presidencial ou é limitada de per si, ou o PR limita-a top-down, de resto e por ironia do destino, a falência actual de elites no PSD e de líderes emergentes é imputada ao facto de Cavaco ter "secado" tudo em seu redor nas décadas de 80 e de 90. Sobrou Ferreira leite, Borges, Passos Coelho, Santana Lopes, o que, por si só, já diz muito dessa falência orgânica que a "personalidade-eucalipto" representada por Cavaco ajuda a explicar.
Neste quadro não há pensamento nem prospectiva política em Belém. Não se equacionam os problemas à la longue, nem para eles se procura criar um campo de soluções alargado, uma doutrina, um pensamento, um sistema - e não havendo esta célula prospectiva que visaria "comprar" e antecipar o futuro - também não há novidades nos discursos e nas mensagens presidenciais. É tão simples quanto isto.
Um "isto" que multiplica discursos de normalidade sobre as PMEs, os pobres, a dependência energética, a agricultura, o endividamento, o hiper-consumo, as fracas exportações, a débil competitividade da economia nacional e, por todas estas razões, a nossa divergência em matéria de indicadores sociais e humanos relativamente aos países europeus melhor posicionados no ranking do desenvolvimento social e humano. Cavaco preocupa-se sempre no desenho deste diagnóstico, que já conhecemos, mas sobre o qual nenhuma novidade consegue pensar a fim de surpreender a realidade - na linha do tal pensamento prospectivo que Belém não tem, nem nele vislumbramos uma cultura política que convirga nesse sentido.
Enquanto uma minoria de portugueses consegue lidar com a incerteza, alguns empresários, quadros qualificados, pessoas que integram a classe A, altos funcionários do Estado e do sector privado - que sabem ser imprescíndiveis nas organizações onde trabalham - esta gente está segura, ganha bem, tem regalias acima da média, por isso olha para a crise, para a incerteza em termos académicos e intelectuais, como um exercécio de simulação estatística que pode (e deve) ser melhorado, mas cujos efeitos negativos não sofrem na pele, como sucede à maioria dos trabalhadores portugueses que não dispõem daqueles recursos e daquele capital-conhecimento, nem daquele way of life.
Ora, é essa minoria silenciosa que consegue desaparecer à distância, evadir-se da crise, nem lhe teme os efeitos porque o seu sistema de vida, poder de compra, satus não ficam mínimamente afectados pela conjuntura. Mas se esta necessidade de prospectiva que Belém não dispõe - agravando-lhe a performance pública - e diminuindo a liderança e a autoridade de Cavaco, ela também tolhe e limita o campo de actuação do Governo (e dos partidos políticos) - que precisararão desse planeamento para fazer um melhor trabalho político em 2009. Elencar os problemas e pedir só coragem aos portugueses não basta.
Se vemos televisão para ter uma ideia de nós mesmos, para nos garantirmos de que estamos física e mentalmente vivos e ainda não enlouquecemos, ela também revela a nossa própria pequenez de par com as pequenas "normalidades" a que vamos assistindo. E tamanha é essa normalidade que qualquer português médio diria que era capaz de fazer discursos daqueles em 20 min. É curto para um PR. Manifestamente curto.
Creio que do mais alto magistrado da nação se esperava um pensamento mais estruturado e inovador - propositivo até para o Governo em áreas onde este possa estar mais falho, mas não foi isso que vimos da mensagem de Belém - que pediu o normal aos portugueses num momento de excepção. Algo aqui não bate certo. No método/forma de fazer política e também na projecção da sua substância.
Evitar a incerteza é uma característica da condição humana, isso em política é crucial, nas empresas também - por isso no domínio dos grandes agregados humanos e no seio do mundo dos negócios há sempre uma profusão de modelos, de estruturas e de suposições que ajudam a explicar a realidade dando pistas e opções para combater esses problemas.
As mensagens de Belém não contemplam essas variáveis nem essas pistas, ele apenas é descritivo, enviar recados para o Governo mas nenhum pensamento original ou alternativo propõe em cada sector ou área da governação que carece de novas abordagens.
Ou seja, o ano de 2009 - por ser mais difícil e complexo irá exigir de Belém, do Governo, dos partidos políticos não só maior sanidade e transparência como também mais e melhor auto-avaliação naquilo que se diz fazer para combater a incerteza que nos deprime e empobrece.
Eis o desafio para Portugal para 2009, descobrir esse fluxo de pensamento político e articulá-lo harmonisamente entre todos os grandes decisores em Portugal. Sendo certo que no passado recente os papéis de cada actor estavam pré-definidos, cada um tinha um guião que orientava a acção, não havia margens para dúvidas nem para falhar. Os custos eram certos, mas também se conheciam os prejuízos e os benefícios. Hoje, ao invés, andamos todos às aranhas: não há guião e o terreno é por natureza errático.
Então é aqui que temos de colocar-nos algumas questões neste teatro improvisado a que chamamos vida. Entre elas, identificar com mais rigor os objectivos para as pessoas, os objectivos para as empresas e os objectivos para o actual "pai" de todos nós: o Estado.
Se os líderes não conseguem pensar desta forma, que têm especiais responsabilidades perante as populações e a sociedade e os mercados, se não afinam a sua forma mentis com esta nova calibragem espistemológica - é muito previsível que se continue a fazer discursos e a debitar mensagens "anormalmente normais", tipificadas, estereotipadas sem injectar dispositivos inovatórios no discurso público - que acaba por não valorizar os seus destinatários (que são os portugueses), nem convida os demais agentes políticos a criticarem construtivamente tais discursos com o fito de desafiar as pessoas, as instituições a superarem-se nestes momentos de incerteza que não controlam.
Até porque os verdadeiros líderes desafiam e libertam as pessoas, não as secam nem as aprisionam...
Neste domínio, creio que Belém tem que se repensar muito mais do que S. Bento. Até porque o País é de todos.