segunda-feira

A importância de um líder - por Francisco Sarsfield Cabral -

A importância de um líder, in Público
Jamais a entrada em funções de um político gerou uma expectativa tão grande e universal como a suscitada por Barack Obama. Ainda antes de tomar posse, tinha 83% dos americanos a aprová-lo. Uma sondagem Gallup revela que dois terços dos americanos julgam que Obama alargará os cuidados de saúde a todas as crianças. E metade espera que o novo presidente reduza os custos com a saúde, baixe os impostos e ajude os sindicatos.
Também fora da América se gerou uma enorme esperança de que Obama traga paz ao mundo, em particular no Médio Oriente, e acabe com a crise financeira e económica. Le Monde escrevia que, no estrangeiro, se espera que Obama seja uma espécie de presidente da Amnistia Internacional, de secretário-geral da ONU, de patrão da Greenpeace e de todas as associações contra o racismo. Por cá, segundo a Eurosondagem dois terços dos portugueses acham que Obama irá melhorar o mundo.
Esta inflação de expectativas, várias delas irrealizáveis, é o principal problema que Obama enfrenta. Mas agora o meu ponto é outro. Tem a ver com a importância que se dá à capacidade dos líderes políticos para mudarem as coisas. Décadas de predominância cultural marxista tentaram fazer passar a ideia de que os dirigentes políticos e militares pouco contavam (embora fossem endeusados nos países do “socialismo real”). As massas, os grandes movimentos sociais, em última instância a evolução económica e tecnológica, esses sim, seriam os factores a determinar verdadeiramente o curso da história. É por isso curioso que alguns dos mais entusiásticos apoiantes de Obama na Europa sejam intelectuais de inspiração marxista.
Mas teria o nazismo chegado ao horror que sabemos sem Hitler? É duvidoso. E não se pode apagar a fortíssima, e negativa, marca pessoal de Estaline e de Mao na União Soviética e na China Popular. Também nas democracias ocidentais a personalidade dos líderes está longe de ser irrelevante – basta pensar em F. D. Roosevelt, Churchill, de Gaulle, Adenauer, etc. Aliás, um dos lamentos mais ouvidos é o de que faltam hoje à Europa líderes à altura daqueles gigantes.
A tendência da nossa sociedade mediática para personalizar as questões – A contra B; C desce, D sobe... – concentra as atenções nos líderes. Os quais, através da televisão e da net, cada vez mais estabelecem contacto directo com as pessoas. Um primeiro-ministro já não é um primus inter pares, mas um chefe de governo (é o actual caso português). Tratando-se de presidentes que comandam o executivo governamental, como acontece nos EUA, a relevância da pessoa que exerce o cargo é ainda maior.
Dizia Camões que “o fraco rei faz fraca a forte gente”. O inverso também é verdadeiro. Os líderes não podem tudo, mas podem muito. Com uma condição: serem autênticos líderes e não meros seguidores das opiniões dominantes em cada momento. Ora Obama parece ser mesmo um líder. É inevitável que desiluda muita gente, que dele espera demais. Mas poderá ter uma influência decisiva nos EUA e no mundo.
Obama revelou-se um líder na sua longa campanha eleitoral, na qual de início poucos acreditavam. Manteve a disciplina na sua organização, algo que Hillary Clinton, por exemplo, não conseguiu. E ultrapassou com classe os embaraços surgidos, nomeadamente as posições racistas do pastor Wright, a quem Obama estivera muito ligado em Chicago. Escolheu fortíssimas personalidades para o seu governo, incluindo a rival Hillary e um Prémio Nobel da Física (secretário da Energia), o que só uma pessoa segura de si própria e sem receio de comparações faria.
E foi um líder nato, como lhe chamou o Financial Times, quem discursou na tomada de posse. Só um líder poderia reconhecer o receio americano de um inevitável declínio do seu país na cena internacional e de a próxima geração ter de baixar as expectativas.
Obama aposta nos valores éticos fundadores da nação americana, incluindo na luta contra o terrorismo. Ele quer que os EUA voltem a liderar o mundo, mas com humildade e contenção. Porque “o nosso poder, por si só, não pode proteger-nos” – “a nossa segurança emana da justiça da nossa causa e da força do nosso exemplo”. Apenas retórica? Creio que não. Obama já tomou algumas medidas para promover a moralidade e a transparência na política em Washington. Mas o grande test só agora começou.
Francisco Sarsfield Cabral
Jornalista
Obs: A semana passada assistiu-se a Pacheco Pereira na Quadratura do Círculo, na Sic, tentar reduzir a dimensão de política de Obama arrumando-a num caso de espectacularização da política, envolto nos soundbites do costume: luzes, cores e pipocas. Pacheco terá confundido um epifenómeno com o fenómeno em si, e dada a sua má fé (política, analítica e pessoal) - que se tem agravado com a velhice e o seu apoio a Ferreira leite - seria bom que pensasse um pouco antes de abrir a boca. Porque sempre que pensa ou escreve o resultado está à vista com os disparates ditos em público pela líder que apoia - que é a mesma pessoa a quem escreve as fichas.
Oxalá que a Europa tivesse mais meia dúzia de "Obamas" para ter uma visão diferente para o mundo. Sobretudo encontrando para o sistema capitalista mundial que temos hoje um conjunto de dispositivos que faltam para reinventar o mercado e regular o capitalismo global que hoje está demasiado predatório.
A questão da liderança é tão importante na escolas, na sociedade, na empresa como - à luz do que se vê - no PSD. Por regra, quando a liderança é boa novas ideias se criam, o que implica ter a capacidade de fazer reformas sem recurso à ditadura.