segunda-feira

Agostinho da Silva e a Educação em Portugal

Pergunto-me que notas ou reflexões deixaria Agostinho da Silva caso cá estivesse e lhe fosse suscitado comentário sobre a actual crise que opõe sindicatos, professores e ministério da Educação acerca do melhor modelo de avaliação dos docentes.

Julgo, desde logo, que Agostinho da Silva julgaria ser de boa ideia distribuir gratuitamente as obras de Camões, Vieira, Pessoa e Eça às 4 da manhã à saída das discoetas da capital e do Portugal profundo. Esse gesto simbólico poderia ter o maior significado na mente das pessoas: alunos, pais, docentes - todos.

Tendo uma população culta e letrada, dotada de sentido crítico, analítico e com capacidade de criar narrativas alternativas relativamente às leituras que o mundo coloca a cada minuto, esta estéril discussão acerca do que é o melhor modelo de avaliação dos "profes" perderiam automáticamente qualquer significado. Os sindicatos e os sindicalistas de serviço ao PCP e BE - poderiam até perder o seu emprego, posto que eles vivem da crise e para crise, precisam do "sangue" da contestação social para dizerem ao mundo que existem. Precisam também das quotas pagas...

Depois, talvez Agostinho da Silva segurasse pelo ante-braço a Lúlu e lhe dissesse baixinho com sotaque meio brasileiro: "olhe minha cara senhora, agarre em si e saia do seu Gabinete e visite as escolas do País e fale com os professores, com os alunos e com os pais. Faça isso. Tome as devidas notas e depois, já na 5 de Outubro, tome algumas medidas em conformidade".

De seguida, talvez segredasse à actual locatária da 5 de Outubro: o verdadeiro testamento que Camões deixou encontrava-se resumido no episódio da Ilha dos Amores:

  • Portugal só plenamente será quando perceber que a viagem cantada nos Lusíadas é a da Ilha dos Amores, onde divino e humano darão filhos que, sendo, não existam.

Por outro lado, também não podemos omitir o grande trabalho, o tal imenso desafio que se nos apresenta que é o de "educar o povo", mas insistindo em que educar não é levar ninguém a ser isto ou aquilo, não é tentar influir de qualquer modo na sua orientação futura (ao estilo do PCP e da CGTP-In), mas dar meios de expressão à sua capacidade criadora e de comunicação, quer ela se exerça lendo e escrevendo quer manualmente num ofício, e sem que se separe uma actividade da outra.

Agostinho criou, deste modo, o primeiro princípio de um verdadeiro ensino: o de que nada pode ser ensinado por imposição; o de que, um professor não é um capataz mas um auxiliar e um guia cuja função é sugerir e não impor. Na verdade, ele não educa a inteligência do aluno; limita-se a mostrar a forma de aperfeiçoar os seus instrumentos de conhecimento, encorajando o instruendo ao longo da sua aprendizagem e desenvolvimento. Transmite conhecimentos mas, mais importante do que isso, mostra como adquiri-los.

Hoje temos profes a avaliar profes... Com os sindicalistas armados em lentes de Coimbra, a ministra a dizer que o seu modelo de avaliação é que é bom e os portugueses a ver esta novela sul-americana quando a economia portuguesa precisa é de estímulos, incentivos, investimento, inovação e criatividade. No fundo, crescer, gerar riqueza para distribuir mais e melhor os seus ganhos e canalizá-los para uma coesão económica e social que hoje não existe no País.

É óbvio que quanto melhores profes tivermos mais e melhores jovens empreendedores teremos no futuro próximo a dinamizar a economia nacional.

Portanto, aquilo que defendo, e descontando aqui o risco de estar a interpretar o pensamento de Agostinho da Silva, que seria, por natura, tão rico quanto imprevisível, é o autodidatismo activo que existe em cada um de nós (em potência), que segue a regra de complementar os conhecimentos formais necessários com leituras suplementares à margem do que é solicitado pelo ensino oficial.

Se tivermos esse tempo, essa motivação integraremos o critério da avaliação no nosso quotidiano, como o O2 que respiramos, e teremos bons professores, bons alunos, bons pais e uma muito melhor comunidade escolar nacional.

Mas isso obrigará a duas coisas: alterar radicalmente hábitos de leitura (que hoje não existem) e consumirá o tempo duma geração. É que a lógica da formação na esfera da Educação toma mais tempo do que formar um polícia ou um sindicalista.

Nestes casos, um, dois ou três anos bastam, com a Educação qualquer reforma envolve sempre um período mais dilatado de tempo. Daí a dificuldade em "mexer" da Educação em Portugal.