quarta-feira

Os perigos da Democracia em Portugal e as "maldades" da especulação do petróleo

A democracia portuguesa está cada vez mais explosiva e os camionistas são, doravante, os agentes dessas faíscas. Sofrem, tal como os pescadores, e outros grupos socioprofisisonais, mas começar a boicotar estradas e vias públicas em geral para obrigar o governo a negociar contrapartidas começa a ser demais. Isso é escavacar a democracia. É atropelá-la. Prefigura uma violação da lei e um precedente perigoso para os demais sectores socioprofissionais em Portugal que amanhã, por um qualquer problema nas respectivas actividades ou núcleos de interesse, resolvem também abrir mão dos mesmos expedientes out-of law a fim de obrigar o governo a negociar contrapartidas. Se este for o caminho deixamos de ter democracia, cessa o império da lei e do direito e impera a anarquia e o reino do mais forte. Neste particular Marcelo rebeleo de Sousa foi sensato quando na sua última missa dominical se colocou do lado do Governo contra estes exageros dos camionistas. Por vezes, o analista acerta.

Mas a situação é grave e vai num crescendo. Ontem morreu um camionista, as ameaças de bloqueios colidem com o interesse geral que, no caso, decorre da liberdade de trânsito que todas as pessoas devem poder ter. Neste contexto o Governo, e bem, deu instruções às forças de segurança para impedir a acção ilegal dos camionistas/grevistas que procuram condicionar a conduta daqueles outros camionistas que não desejam parar - para engrossar o bloqueio e o caos nas estradas do País. É nestas fases críticas que as forças de segurança devem saber mostar a sua eficácia, obedecendo às orientações do poder político a fim de salvaguardar o interesse geral.

A situação da alta do petróleo já é, por si só, grave, se os camionistas bloqueiam o País o caos instala-se e depois ninguém consegue circular e paralisa-se Portugal inteiro. Ora, esta situação de criação do caos por parte dos camionistas para meter o Governo de joelhos e negociar nessa base, é intolerável. Seria reconhecer, dentro de dias, a ruptura não apenas dos combustíveis nos postos de abastecimento como também a falta de produtos essenciais nas cadeias de distribuição. E isso ninguém deseja, salvo, os camionistas - na medida em que tal expediente serve o seu interesse de negociar contrapartidas junto do governo.

Portanto, e como a situação se poderá extremar, é de admitir que nas próximas horas o país real assista a uma coisa inédita em Portugal, quase a configurar uma situação de pré-guerra civil, em que as forças de segurança escoltam os transportes que vão abastecer o aeroporto e os principais postos de abastecimento das principais cidades do País. Tarefa que envolve a coordenação de várias tutelas, serviços e departamentos, desde a Economia à Administração Interna. E se calhar até se verão gruas a remover aqueles camiões cujos condutores são mais recalcitrantes e desejam desafiar as autoridades na sua obstinação de bloquear as artérias principais à capital.

Imagine-se agora o que seria Manuel Alegre a gerir esta situação com Francisco Louçã à ilharga!? Imagine-se as orientações que o camarada torneiro-mecânico Jerónimo de Sousa daria ao país se, por um qualquer acaso do destino, tivesse responsabilidades no Ministério da Administração Interna (MAI)?! O que faria esta gente? Tomaria uma posição firme de respeito pela legalidade em nome do interesse geral ou, à contrário, tomava parte nos interesses sectoriais em presença?

E se o problema se generalizasse aos farmacêuticos, aos arquitectos, aos engenheiros, aos enfermeiros e médicos e às demais profissões - liberais ou não... Seria o caos mediante a cedência do Governo às corporações que melhor conseguissem fazer a sua chantagem.

Infelizmente, tempos houve em que alguns políticos da nossa querida República (laica e socialista) mandavam a GNR embora, nos difíceis anos do cavaquismo, denunciando alguma demagogia combinada com um certo populismo pulsional. Hoje, a esta distância, o dr. Mário Soares percebe que se excedeu, e que, por certo, não repetiria a façanha (da qual nada ganhou). Mas é nos momentos críticos que se vêem a destreza dos homens, e Sócrates, mesmo reconhecendo que o problema de tudo isto resulta da especulação do petróleo no mercado internacional e, portanto, trata-se duma causa exógena à governação, tem revelado uma excepcional serenidade e fibra.

Portanto, os próximos dias serão difíceis para a gestão desta crise dos combustíveis que ameaçam paralisar o País. Um país que pode ficar de postos vazios nas suas principais fontes de abastaceimento: Lisboa, Oeiras, Carnaxide, Algarve, Coimbra. Se não houver combustíveis para os aviões eles não levantam o nariz do chão e as pessoas ficam em terra e muitos negócios deixam de se realizar, e sem o maldito carburante os transportes públicos também não circulam. E se este cenário se vier a concretizar entramos numa situação em que os ânimos se exaltam e o país fica histério. Muita gente deixa de ir trabalhar, as faltas são injustificadas e os problemas laborais podem agravar-se com toda uma cadeia de causas e de efeitos hoje verdadeiramente imprevisíveis.

Uma coisa é certa: as forças de segurança têm de actuar contra as acções de protesto dos camionistas e dos piquetes que em torno deles se formam para bloquear as vias públicas e, assim, gerar o caos em Portugal. A democracia e o rule of law têm os seus mecanismos próprios que, nestas situações mais críticas, devem ser imediatamente accionados a fim de proteger o bem geral.

Que se saiba Portugal não é uma democracia sul-americana, e esta nova forma de democracia directa assente nos piquetes de camionistas ainda não é, que se saiba, nem legal nem legítima num estado de direito como o nosso. Cabe, pois, ao Governo proteger o interesse geral que sempre e em todo o lado deverá prevalecer sobre os interesses sectoriais.

Nada fazer ou mostrar hesitação, receio ou tibieza nas tomadas de posição seria o pior neste momento, e os camionistas também devem ser tão lúcidos quanto inteligentes, pois conduzem verdadeiros "monstros", e se não tiverem cuidado, seja por acção ou omissão, um gesto mais descuidado pode redundar em mais uma morte de um colega de trabalho que irá desgraçar - por ironia do destino - a vida a mais um agregado familiar.

E a vida humana não tem preço!!!