sexta-feira

ANIVERSÁRIO - por António Vitorino -

Facultamos esta imagem aos pobres arquivos do dn, apesar de já ser bicentenário..., mas hoje dirigido pelos "homens da bola".
António Vitorino
jurista
Nesta semana assinalaram-se os 25 anos da entrada em funções do Tribunal Constitucional (TC). De entre todas as instituições criadas ou recriadas com a democracia, o TC constitui provavelmente a mais original. Com efeito, nela se concilia uma tradição de controlo da constitucionalidade das leis confiada aos tribunais comuns (ainda que nem sempre efectivada) que tem o TC como instância última com um modelo de inspiração continental, de atribuir a um órgão único de natureza jurisdicional a fiscalização abstracta (ocorra ela antes da promulgação das leis - a chamada fiscalização preventiva - ou após a sua entrada em vigor - a fiscalização sucessiva).
Na sua origem, a visibilidade do tribunal esteve muito ligada à forma da sua composição. O modelo constitucional (dez juízes eleitos por maioria de dois terços no Parlamento e três cooptados pelos eleitos) suscitava algumas dúvidas quanto à natureza política do órgão. O que, diga-se, não ocorre apenas em Portugal, na medida em que este figurino de composição do TC tem paralelo em outros países europeus.
Como é evidente, estando o TC encarregado da fiscalização da constitucionalidade das normas jurídicas, a proximidade com o fenómeno político é incontornável.
Essa proximidade é mais evidente na chamada fiscalização preventiva. Nela o argumento da (in)constitucionalidade está muitas vezes presente no próprio debate político e partidário e consequentemente, quando chega ao tribunal, a questão já se encontra "delimitada" deste ponto de vista. A decisão do tribunal traduz-se sempre em vencedores e vencidos, com as inevitáveis leituras políticas.
Estudos vários demonstram, contudo, que não só as decisões "à tangente" (pela diferença de um voto), mesmo nas fiscalizações preventivas, são muito minoritárias como, na maior parte dos casos, as clivagens no tribunal não correspondem a nenhuma lógica de alinhamento dos juízes em função da sua suposta origem em distintos campos políticos. Acresce que essas divisões são sempre fundamentadas em interpretações da Constituição que, sendo tributárias naturalmente da visão do mundo e do direito de cada juiz, assentam sempre em argumentos jurídicos escrutinados pelos destinatários das decisões e pelo mundo académico.
Mas há uma outra dimensão da função do Tribunal Constitucional que normalmente é menos sublinhada e que merece ser ponderada neste aniversário.
A Constituição da República de 1976 sofreu um processo de adaptação às realidades políticas e sociais nacionais e do mundo em que nos inserimos ao longo destes 32 anos de vida. Do ponto de vista da visibilidade pública, os momentos altos deste processo de reforma e de evolução foram as revisões constitucionais, onde o legislador parlamentar foi forjando um apoio largamente maioritário (sempre superior a dois terços) para introduzir emendas na Lei Fundamental. Hoje pode-se dizer que o texto constitucional não é sentido em nenhum quadrante político e social como um obstáculo ao desenvolvimento do nosso país. E os poucos que repegam o argumento fazem-no mais por falta de outras bandeiras mais vistosas...
Ora, nesta evolução constitucional, o papel do TC de interpretar a Constituição foi tão relevante quanto o do próprio legislador das revisões. Não raras vezes o impulso actualista foi dado pelas decisões do próprio Tribunal e só em casos pontuais este diálogo (discreto) entre a jurisprudência constitucional e o legislador com poderes de revisão se traduziu em emendas à Lei Fundamental ao arrepio das posições antecipadas pelo próprio tribunal (sendo o caso mais evidente o estatuto jurídico-constitucional das regiões autónomas).
Assim, a acção do Tribunal Constitucional foi não só essencial para consolidar o respeito pela Lei Fundamental, apanágio de um Estado de direito democrático, como para fazer dela uma "Constituição viva" e adaptada à evolução dos tempos. O que constitui provavelmente a nota mais positiva de entre o muito que os portugueses devem ao Tribunal Constitucional nestes 25 anos da sua existência!
PS: Publique-se, mesmo sem a chancela do TC que faz um quarto de século a meio caminho do séc. XX para o XXI.