sexta-feira

A DECLARAÇÃO DE LISBOA - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso, a imagem já integra o rizoma
A DECLARAÇÃO DE LISBOA [link]
António Vitorino

jurista

Começa hoje em Lisboa a última grande aposta da presidência portuguesa da União Europeia: a Cimeira UE-África. Sete anos depois da reunião no Cairo - sob presidência portuguesa da União Europeia também - os dois continentes reencontram-se para reatar o diálogo político ao mais alto nível.
O simbolismo da Cimeira vale por si próprio. Com efeito as relações entre a Europa e a África são sempre caracterizadas pela ambivalência que decorre do passado colonial. Em certas dimensões essa relação deixa marcas de desconfiança e de ressentimento mútuos que ciclicamente afloram. Mas, do mesmo modo, esse passado comum representa um forte factor de aproximação e de partilha, que torna incontornável o entendimento entre os países dos dois continentes.
O risco maior desta Cimeira é ser capturada pelo caso do Presidente Mugabe. Estão reunidos todos os ingredientes: o tom de desafio do Presidente do Zimbabwe, a ausência na Cimeira do primeiro-ministro britânico, a atracção dos meios de comunicação pelo picante da situação.
A presidência portuguesa conduziu a questão com sabedoria. Afastando desde sempre qualquer possibilidade de discriminação nos convites, o que foi decisivo para a vinda dos dirigentes africanos, deste modo evitando qualquer tipo de reacção colectiva de desagravo, de que só sairia a ganhar o próprio ditador zimbabwano. Mas, ao incluir o tema da boa governança e dos direitos humanos na Cimeira, com assinalável relevo e com a abertura para que todas as vozes críticas se façam ouvir, salvaguardou a unidade europeia e deu adequada visibilidade à censura firme dirigida à tirania política do Presidente Mugabe. Mas o desafio é demonstrar que há mais Cimeira para além do caso do Zimbabwe.
Neste aspecto impõem-se duas considerações para futuro. A primeira interpela os dirigentes africanos e tem a ver com o facto de esta iniciativa portuguesa ocorrer num momento em que a União Europeia se apresenta com um figurino político muito diferente daquele que tinha no Cairo há sete anos. Fruto do alargamento e da entrada de doze novos países, o peso relativo daqueles Estados europeus que têm uma especial afinidade histórica, política e cultural com o continente africano diminuiu em termos relativos. Por isso esta Cimeira é particularmente oportuna para repor a prioridade das relações com África na agenda política da Europa alargada.
A segunda prende-se com a diferença substancial do enquadramento político do lado africano. Com efeito um dos problemas que emergiram do Cairo teve a ver com a dificuldade de garantir ao longo do tempo, em termos sustentados, o debate político e o acompanhamento efectivo das decisões daquela primeira Cimeira. Nestes anos foi-se afirmando uma nova realidade política consubstanciada na União Africana, uma organização de dimensão continental que em muitos aspectos se inspira na própria União Europeia. A existência de duas entidades políticas internacionais como interlocutores permanentes dá à partida garantias de que as decisões que vierem a ser adoptadas na Declaração de Lisboa - incluindo o Acordo Estratégico e o complementar Plano de Acção - terão um acompanhamento e uma continuidade no tempo de que beneficiarão os países africanos e europeus.
A estas dimensões processuais acresce a questão de fundo. E essa tem a ver com as sinergias que a cooperação estratégica entre África e Europa pode e deve gerar. Estamos neste plano confrontados com uma agenda carregada que passa pela promoção de uma rede de infra-estruturas essenciais ao desenvolvimento do continente africano (de mobilidade, energéticas e de telecomunicações), a uma relação comercial mais favorável aos países de África e às suas produções fundamentais, a um empenhamento mais decidido na luta contra as doenças endémicas (especialmente a tuberculose e o HIV/sida) e na promoção da boa governança e dos direitos humanos, incluindo uma parceria visando a regulação dos fluxos migratórios. É grande a expectativa sobre a Declaração de Lisboa!
PS: Mais uma eficiente análise de AV que, se quisesse, também daria um excelente MNE. Mas se ele quisesse também seria PM. Este texto é tão inteligente quanto oportuno, já que admite o princínpio segundo o qual convidamos o inimigo para nossa casa para depois o confrontarmos com questões embaraçosas diante dos media globais. A humilhação política ainda é maior...