segunda-feira

O fim do crédito fácil - por Francisco Sarsfield Cabral -

(in Público)

O fim do crédito fácil

O lamentável folhetim da guerra no BCP não permitiu, entre nós, dar grande atenção ao que desde há meses se passa no mercado de crédito dos Estados Unidos. Aí, o tempo de dinheiro fácil e barato acabou, o que tem reflexos mundiais. Incluindo em Portugal, onde os particulares, as empresas e o Estado estão altamente endividados. E a banca nacional endividou-se ao estrangeiro para emprestar aos portugueses.
Nos Estados Unidos o crédito encareceu por iniciativa de quem empresta e não por decisão da Reserva Federal (a haver mudança próxima na sua taxa de referência, será de baixa). Como se previa, o sarilho começou na habitação. Quando os preços das casas americanas iniciaram a descida, depois de terem subido muitíssimo, alguns empréstimos deixaram de ser pagos, sobretudo no crédito hipotecário de alto risco (empréstimos a quem não dá garantias de solvabilidade). A garantia da hipoteca deixou de funcionar em pleno, uma vez que as casas se desvalorizaram. Seguiu-se a falência de vários promotores imobiliários e empresas de financiamento nos EUA.
Com muitos negócios assentes no crédito, nos últimos anos generalizou-se a emissão de títulos de dívida. Quem concede o empréstimo afasta, assim, o risco de não ser pago. Mas essa dispersão de credores disfarça o risco, separando o credor inicial do destino final da dívida. Ao titularizar e vender a dívida, quem primeiro empresta o dinheiro desinteressa-se do comportamento a longo prazo do devedor. O que, naturalmente, não favorece o rigor na concessão de crédito.
A crise imobiliária funcionou como um alerta geral para os bancos, que apertaram as condições dos empréstimos, tornando-os mais caros e mais difíceis. A Euribor está ao nível mais alto desde 2001. Houve problemas num banco alemão, interrompendo as férias do ministro das Finanças da RFA. Em França o BNP Paribas suspendeu os resgates em três dos seus fundos. E o BCE emprestou agora aos bancos da zona euro muito mais dinheiro do que havia feito após o 11 de Setembro de 2001. Outros bancos centrais seguiram-lhe o exemplo.
Com a contracção do crédito, muitas operações deixaram de se concretizar, pois se baseavam no dinheiro fácil. Entre elas, fusões e compras de empresas, em particular pelas célebres “private equities”. Investimentos de fundos de risco, também. As bolsas assustaram-se.
Contra o que alguns pretendiam, a Reserva Federal não baixou a taxa de juro na passada terça-feira. O seu actual governador, Bernanke, tem uma atitude menos acomodatícia face ao mercado do que o antecessor, Greenspan. Este baixava os juros quando fraquejava a confiança nas bolsas. Uma atitude que de alguma forma desresponsabilizava os operadores financeiros, convictos de que, fizessem o que fizessem, havendo problemas Greenspan lá estaria para os resolver. O que conduziu a altas exageradas nas cotações, com a inevitável queda subsequente.
Tal como na bolha especulativa das acções tecnológicas, há dez anos, a valorização dos activos dos americanos – desta vez, casas e já não acções – deu-lhes uma sensação de maior riqueza, estimulando o consumo das famílias, frequentemente a crédito. Agora, o movimento é inverso e o consumo já se recente. Ora o motor da economia dos EUA tem sido o consumo, responsável por mais de 90 % do crescimento do PIB americano na última década.
É um consumo largamente financiado por poupanças externas, que afluem ao mercado americano porque o consideram seguro. Os EUA absorvem 70 % dos excedentes de liquidez existentes no mundo. Mas a inexorável queda do dólar ameaça travar o financiamento estrangeiro dos consumidores americanos.
Claro que alguma contracção do crédito pode ser saudável, ao pôr termo a loucuras permitidas pela facilidade dos financiamentos. No entanto, é ténue a fronteira entre a actual crise no crédito e uma travagem no crescimento económico americano, com repercussões globais. Mesmo tendo em conta que a Europa e o Japão estão hoje a crescer razoavelmente, compensando uma quebra nos EUA, e que muitas empresas americanas não dependem do crédito, as perspectivas não são optimistas. A crise imobiliária ainda não parou e a economia é cada vez mais global. Em Portugal, país de devedores e muito dependente da conjuntura económica internacional, não ficaremos imunes. Francisco Sarsfield Cabral Jornalista
Obs: Mais um eficiente artigo do Francisco a explicar a volatilidade do dinheiro (na Europa e no mundo) que pode mudar de valor e direcção mais rápido do que o vento. Eu estava a pensar comprar uma moradia no Guincho no 1º balcão da praia onde o Marcelo finge que sabe nadar, assim já não compro. E não comprando não me endivido e fico feliz novamente.