Capital humano e a verruga no nariz de Cromwell
Nota prévia: fomos ao baú onde guardamos alguns textos com mais de 3 anos e menos de 5. Era suposto o tempo, por efeito de erosão, ter dado cabo dele como ventania em galho podre. Mas infelizmente alguns dos pressupostos mantém-se inquientantemente válidos pela letargia em que caíu a economia e a sociedade europeia, cuja gestão política foi agravada desde que durão Barroso, com a ajuda do aliado dos EUA e da arrastadeira Blair no contexto da desgraçada e mentirosa guerra ao Iraque, assumiu funções. Talvez valha a pena meditar nele, talvez...
Capital humano e a verruga no nariz de Cromwell
A Conselheira da Comissão Europeia, Maria João Rodrigues, socióloga, com três mestrados e um doutoramento em economia e coordenadora de projectos de investigação do ISCTE, vem relembrar ao país problemas conhecidos: o de que vamos levar duas gerações até atingir níveis de qualificação razoáveis. Reforçando o risco de “Portugal se tornar numa bolsa de trabalho desqualificado na UE, que está a descolar para uma economia na inovação” (DN, 31/5/03).
A enquadrar esta evidência, está o compromisso da Cimeira de Lisboa de criar 20 milhões de empregos até 2010, apesar do desemprego não parar de aumentar. Este contraste é agravado pela situação económica recessiva e instabilidade internacional. Um dos indicadores que ensombra o futuro colectivo deriva do facto de 60% da população europeia ter pelo menos o ensino secundário, enquanto em Portugal 60% da população tem, no máximo, o ensino básico. Apesar das novas gerações estarem a convergir com a média europeia, aquela relação reflecte um gap abissal ao nível da educação e formação de capital-humano.
Quererá isto dizer falta de investimento público em factores dinâmicos, como formação e investigação? Falta de políticas fiscais que estimulem as empresas a tornar competitivas e inovadores os seus produtos e serviços? Necessidade de reinterpretar o Pacto de Estabilidade junto das instâncias comunitárias, defendendo outros critérios de avaliação da qualidade do défice de modo a reduzir o gap que nos separa da Europa em matéria de educação, competitividade e inovação? Falta de liderança e cultura organizacional por parte da academia e dos gestores?
Em suma: será necessária uma maior convergência de políticas macro-económicas para acelerar a nossa convergência real no domínio do desenvolvimento estrutural, designadamente em sectores-chave como o capital-humano e a investigação? Afinal, estamos perante interrogações ou certezas?!
É óbvio que Portugal tem de preocupar-se quanto a este atraso no padrão de criação de emprego, riqueza e justiça social. Contribuindo para que a Europa descole para uma economia mais inovadora e baseada no conhecimento.
Ante este atraso dois caminhos se perfilam: o da globalização feliz, reformando o sistema de ensino superior e fazê-lo interagir com a sociedade. Como? Renegociando o Pacto de Estabilidade; apostando na formação profissional de quadros médios; desenvolver consultorias profissionais nas escolas e nos centros de emprego; autonomizando a universidade em função de objectivos; reciclar elites improdutivas; reorganizar circuitos de reflexão com o corpo docente; adaptar os objectivos científico-pedagógicos e de mobilidade da Declaração de Bolonha.
E se nada disto for feito? Nesse caso, aumentam os riscos de dumping social e de globalização infeliz, com vantagens competitivas para os países candidatos da UE na relação qualificação/salário e na reorientação dos fluxos de investimento internacionais na sequência do alargamento. E mais: a “casa dos pais” é a “prisão” mas também o subsídio de desemprego na Europa.
Neste cenário, a exclusão conduz à revolta uma juventude sem futuro que já não suporta a provocação constante da publicidade que incita ao consumo, do qual, por falta de dinheiro, formação e emprego, muitos se vêem excluídos.
Que exemplo pode uma Europa coxa pedir aos pais sem emprego - sirva de farol aos seus filhos? Em nome de quê iriam esses excluídos da globalização infeliz respeitar as normas? Em nome do exemplo das elites que nos (des)governam? Em nome do dinheiro e dos empregos que não têm? Da competitividade adiada, que substitui o homem pelo micro-chip adensando a exclusão social ampliada pelo macro-efeito das inúmeras deslocalizações das multinacionais?
Entre a miséria certa e a riqueza incerta, a Europa carece de “professores de virtude” que nos ensinem que o essencial não é o capital, nem o lucro, nem a liberdade reduzida ao altar do mercantilismo, mas a pessoa, a harmonia entre gerações, a vida, a biosfera, enfim, a liberdade. A visão global do capital-humano exige essa busca: interrogar o “real” a partir dum ponto de vista particular. Mesmo que não o vejamos todos da mesma maneira, nem lhe coloquemos as mesmas questões.
Não entender isto é como não perceber que a verruga no nariz de Cromwell não representa a mesma coisa para o historiador, o químico, o biólogo ou até para o economista… até ao dia em que Cromwell decide consagrar uma quantia de dinheiro à sua extracção.
Hoje, volvidos 4 anos, não tenho grandes dúvidas sobre que nariz está essa verruga. Uma verruga chamada Comissão europeia, e no centro dela reside essa pretuberância que impede que o caminho da economia europeia seja plano...
- PS: Esta oferenda analítica é dedicada ao actual presidente da Comissão europeia, Zé Manel fujão Barroso.
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