BOM NATAL, SR. PRIMEIRO-MINISTRO
in Público (assin.)
O ano que vai acabar foi o ano de Sócrates. Com uma habilidade inesperada, Sócrates conseguiu no partido, no governo e no Estado um poder pessoal, que depois do "25 de Abril" ninguém antes dele teve. No PS, a derrota de Soares acabou com o "soarismo" e da "esquerda", fora a inevitável Ana Gomes que insiste em vociferar ao vento, não resta nada. Melhor ainda, ou pior ainda, até nova ordem o fim da "comissão permanente" e a acumulação do cargo de secretário-geral com o de primeiro-ministro garante o silêncio e a unanimidade do partido. No governo, Sócrates fez discretamente o que Santana indiscretamente anunciou que ia fazer e não fez: controlar a informação e, através dela, o público, os média e os ministros. Só chega cá fora o que ele quer e a imagem dele é o que é, porque não há outra. E, para acabar, também no Estado, Sócrates removeu uma a uma as "forças de bloqueio", em potência e em acto, e removerá as que aparecerem com a mesma dureza e o mesmo método. Se isto passa ou não passa os limites do tolerável e legítimo, não me parece por enquanto o principal. Claro que, desde já, aberrações como ERC não admitem explicação ou desculpa. Mas, no fundo, o problema não está no autoritarismo de Sócrates. Toda a gente sabia, sabe e sente que para ele e para Cavaco a liberdade não conta, como contava para Sampaio e, principalmente, para Soares. Pelo contrário, o problema está na eficácia da autoridade de Sócrates, por muito grande ou excessiva que ela seja. Em última análise, a maioria chega para reduzir o PS à obediência. Como chega obrigar o governo a uma disciplina de caserna e, com certeza, para intimidar duas dúzias de altos funcionários. Se chega ou não chega para uma real reforma da sociedade portuguesa, é o que falta ver. Legislar não custa. Sócrates, como milhares de antecessores que ele não conhece, não pára de legislar. Só que nenhuma lei jamais mudou a dependência do Estado da classe média portuguesa. E nenhuma lei jamais criou, ou criará, um ensino decente. E nenhuma lei jamais "modernizou" uma economia atrasada e pobre. A velha ideia, que Sócrates obviamente partilha com o país, de que um poder virtuoso salva e regenera sempre levou à desilusão e ao fracasso. Este ano foi o ano de Sócrates, do poder de Sócrates, da popularidade e da confiança. O ano que vem é o ano do julgamento. Bom Natal, sr. primeiro-ministro.
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- Afixe-se na vitrine do País, com um par de cópias para a Lapa ao cuidado de MMendes e com uma nota adicional referindo: Mendes pode não conseguir fazer uma oposição demolidora a Socas, mas que tem razão no diagnóstico de que o PM consolida um projecto de poder pessoal... Afinal, MMendes não falhou em tudo, e neste pequeno grande detalhe até concorda com VPV. Pergunto-me se não terá Valente colhido mais inspiração no diagnóstico de Mendes do que na práxis de Socas...
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