O Inverno do nosso descontentamento - por JPP -
JPP - que escreve bem - tem o condão de ainda conseguir deprimir-nos mais. Além da economia e da carestia de vida - que ele não deve sentir - agora também espelha uma certa agorafobia, ansiedade ligada a lugares ou a situações de onde não podemos fugir fácilmente ou sem ajuda possível. Daí os ataques de pânico que este artigo pode vir a potenciar entre os portugueses - nesta transição outonal com muitas folhas caídas por entre multidões alienadas e imensas filas para atravessar pontes, comprar o churrasco, entrar no comboio e o mais deste Portugal dos pequeninos. Confesso que depois de ler isto fiquei a pensar de que livro de romances JPP anda a extrair trechos, pois se o seu objectivo foi adensar o clima de pessimismo e de negatividade entre algumas pessoas conseguiu. Terá conseguido ainda instalar o medo em certas faixas da populações que o lêem no Público - onde o texto é escrito - algumas das quais devem agora estar com as pernas a tremer, o peitilho afogueado, o coração num hiperbatimento e os pêlos do rabo eriçados, com o resto do corpo dos portugueses derretidos em suores frios, olhos arregalados e mais um sem número de sintomas que só os psiquiatras conseguem explicar. Mas Vejamos o que JPP nos diz no seu (melancólico) artigo... Quase a antecipar um desastre maior.
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O Inverno do nosso descontentamento
José Pacheco Pereira
"As pessoas têm os estados de alma associados ao tempo. Começa a entrar-se no Inverno, nem sentem o Outono. Vem as brumas e as chuvas e entra-lhes a morrinha da nossa Rosalia pela pele dentro. Começa a chover-lhes na alma e a ficarem tristes e deprimidas. Os psiquiatras recebem novos clientes. Os divórcios começam a gerar-se nas zangas contínuas. A casa conjugal parece um fardo infinito, com cada parede a exclamar: "Esta não é a vida que sonhavas." Namoros acabam lavados em lágrimas e recriminações.
Nos quartos minúsculos dos subúrbios muitos adolescentes escrevem diários e poemas e abrem blogues. O telemóvel sobrecarrega-se de chamadas só para falar, por falar. Tudo parece mais penoso, tudo parece mais pesado, a existência um fardo.Cá fora o mundo exterior encarrega-se de atirar ainda mais cinza para as almas perdidas no Inverno. Chega o Inverno, nas cidades chega o inferno. As ruas tornam-se intransitáveis, os transportes um martírio. Os carros nas ruas triplicam como por milagre e tudo fica bloqueado. Trajectos de um quarto de hora demoram uma hora. Molhada, encharcada, cansada. Levar os filhos à escola é perder as horas certas para entrar no emprego. Comer de pé, num qualquer café transformado em restaurante de almoços rápidos, é participar numa colisão de corpos informes e desconfortados, guarda-chuvas a pingar, competindo por uns centímetros de balcão pouco limpo.
Nada aquece, nada está aquecido. Aquela sopa não se pode comer, não sei porque venho sempre aqui. Sei, sei, é mais perto, é mais barato. A imensa humidade que se espalha por todo o lado entra em tudo. Mesmo quando se olha pelo vidro da janela, quando se tem a sorte de ter uma janela por perto, tudo está tão completamente cinzento, castanho, pardo que não há cor que sobreviva. O céu está da cor da televisão, dizia Gibson. Está, da cor da estática, do ruído. Como não temos hábito de usar as flores para colorir os espaços, o néon brilha com crueza. Tudo se habita mal quando todos habitam mal em si próprios.
Depois há menos dinheiro, cada vez menos dinheiro. Em contrapartida há cada vez mais dívidas difíceis, os cartões de crédito mostram a sua face rapace, por detrás da enganadora facilidade de comprar sem pagar dinheiro. Falta dinheiro para comprar os livros para a escola, centenas de euros se se fizesse o que a "escola" pedia. Falta dinheiro para pagar esta análise, demasiado cara. Falta dinheiro para o aparelho dos dentes. Os telemóveis do pai, da mãe, do filho adolescente, da filha no 3.º ano da escolaridade, custam cada vez mais, mas como é que se pode viver sem eles? Água, luz, TV Cabo com Sport TV, o carro, as compras no supermercado, as viagens, as prestações da casa, da mobília tão gentilmente empurrada pelo crédito ao consumo, das férias, sobem sem parar.
Já fui uma vez ao Corte Inglés, agora vou ao Modelo, amanhã irei ao Lidl. Felizmente que os jornais gratuitos já não obrigam a comprar outros jornais que não os desportivos. E há as revistas, a Nova Gente, a Lux, que também são tão caras como indispensáveis. Como é que eu saberia com quem "anda" a Elsa Raposo sem ler a literatura especializada? O rapaz vem da escola a querer só roupa de marca, embora se contente com roupa de marca comprada na feira, aos ciganos, desde que tenha a etiqueta. Vai querer um computador só para ele, para "estudar". Será que ele se droga? Parece tão cansado, brusco...Insegurança. Mais insegurança, medo, preocupações. Medo de ir à rua à noite, medo de ir ao Multibanco mesmo quando preciso, medo que me risquem o carro, que me roubem o rádio, já que a antena eu levo para casa todas as noites. Atarracho, desatarracho. A culpa é de quem trouxe os pretos para aqui. Não respeitam nada. As fábricas têxteis fecham no Verão, ou melhor, não abrem no Outono. Mas como será na empresa, no escritório, onde o negócio anda mal? Vou ser despedido? E na repartição será que a minha mulher vai para o quadro dos excedentes? O chefe vai ter que nos classificar, mas ele foi lá posto pelo PS (ou pelo PSD) e vai de certeza escolher os da "cor". Os professores entram na escola desinteressados e sentindo-se humilhados. Como é que pode ser doutra maneira com "esta" ministra? Pois vou ter que passar horas a "substituir" a minha colega que faltou? Está bem, como não sou obrigado a ensinar nada, estas horas não podem ser "lectivas", ponho-os a jogar e a fazer puzzles ou simplesmente quietos.
Será que posso pôr "aquele" rufia na rua? Não posso, tenho medo. Medo que me fure os pneus, medo que me agrida com o seu gang. Depois a quem me queixo? Ninguém faz nada. Ele ficará sempre aqui, a ameaçar-me.Medo de perder o pouco que tenho, medo que o pouco que tenho não me chegue. Medo que se perceba que não tenho capacidade para fazer o que estou a fazer. Medo de ser avaliado com justiça. Medo de ser injustamente avaliado para cumprir qualquer quota, ou fazer qualquer poupança ou para que o "chefe" ajuste as suas contas.
Cada ano ganho menos. Nunca fui a uma manifestação, não gosto dos comunistas, sempre fui PS (ou PSD), mas este ano vou. E se não vou à manifestação, porque não gosto dessas coisas, e tenho medo de me mostrar, faço greve. Com medo, mas faço."Eles", os políticos, não sabem nada disto, nem querem saber, repete-se no Norte nos cafés, no Sul nas pastelarias e snack-bars. Se houvesse um coro como nas tragédias gregas, ele sussurraria avisos para os de cima como o dos Idos de Março, avisaria que cá por baixo os ânimos exaltam-se ou as pessoas se cansam. Pior do que a exaltação, é a resignação. Não vai ser fácil este Inverno. Já ninguém acredita em qualquer luz no fundo do túnel. Nem acredita, nem caminha para o fim do túnel. Tende a caminhar para o princípio, para trás, onde tem a falsa memória de que estava luz. Talvez na Primavera tudo melhore e sempre se podem fazer férias no Algarve outra vez. Corso, ricorso".
Historiador
Notas vadias:
Confesso que gostámos de ler o artigo de JPP, em boa medida ele reflecte a realidade nacional. Mas caramba!!! Não há alí uma nota de esperança, um tiro no futuro, um desejo para que as coisas mudem para melhor na vida dos portugueses. E é curioso que seja JPP a fazer o diagnóstico, alguém que nunca soube o que é viver com 400 euros por mês, (o dobro disso deve ele gastar só em livros por mês) e fazer todas aquelas coisas que ele tão bem narra no s/ artigo. A meio do artigo ainda pensei desmaiar, tamanha a fobia que se me acometera. Todo eu era suspiros, hiperventilei, cheguei mesmo a pensar que todo o O2 do mundo já não me bastava, o meu diafragma parou, os reflexos cessaram... Até pensei que era Pacheco Pereira - que com os seus "magros vencimentos" - estaria a passar pelas situações que descreve, privado de bens essenciais - os primários e os culturais - porque primeiro comere, depois filosofare -. Pensei isso tudo, pensei até que o medo que este artigo induzia na turba nos impelia a todos de irmos pedir para a porta do metro, alí aos Anjos para conquistar a Sopa dos Pobres na árdua labuta do dia-a-dia... Perguntamos daqui a JPP o que é que ele faz quando vê pelas ruas de Lisboa um menino ranhoso a puxar-lhe pelas mangas da casaqueira pedindo um bolo e um copo de leite... E como reage ele quando um idoso lhe lança um olhar mais furtivo pedindo uma moeda para ir ao tal Lidl... Tudo questões outonais neste ano em transição e já com o Natal à porta. A porta do nosso "descontentamento"...
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