A Estratégia de Comunicação de Sócrates - in Jumento -
Já sabíamos que o blog - o Jumento - que é mais um jornal on line que respeita horários, tem editorial, revela ter equipa de copy-writers, gráficos, redatores e paginadores, e influencia directamente a opinião pública e a formação do discurso da oposição em Portugal, mormente do PSD (que me pareceu decalcada dos editoriais deste jornal on line), é, agora, também fonte para as agências e empresas de comunicação. É, portanto, "pasto para muitos burros" - passe a expressão. Esperemos, também, que pague aos empregados a tempo e horas, porque doutro fica sem legitimidade para criticar a GM e todas as empresas (multinacionais ou não) que fazem o jogo da deslocalização canalha apenas na ânsia de obtenção de mais e mais lucros em pouco tempo. Dito isto damos conta de mais uma estruturada sistematização, que não se vê publicada na imprensa escrita - com tanta qualidade e originalidade, revelando-nos os segredos do sucesso de comunicação de Sócrates. O Jumento demonstra-nos, mais uma vez, que na dúvida não hesita, ou seja, não fica na situação do burro de Buridan - (do nome do filósofo francês da idade medieval) - segundo o qual um burro perante dois fardos de feno a igual distância entrava em entropia e morria à fome por indecisão. Vale bem a pena ser lido e, acima de tudo, meditado. É mais um texto de antologia.
ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO DE SÓCRATES
A estratégia de comunicação de Sócrates tem sido tão bem delineada que pode muito bem transformar-se n um case study de comunicação política, tem sido tão perfeita que até um PSD especializado em manipulação da opinião pública está reduzido ao silêncio. Essa estratégia assenta nalguns truques perfeitamente identificáveis:
O relatório técnico inquestionável
As medidas mais importantes, precisamente as que justificariam um maior debate público são sempre antecedidas por um relatório inquestionável, dessa forma as medidas deixam de ter dimensão política para serem imperativos nacionais ou uma inevitabilidade técnica, o governo apenas faz o que tem de ser feito e, por conseguinte, não vale a pena perder tempo com discussões. Já sucedeu isso com a défice orçamental, em que o relatório Constâncio ou tudo o que o governador do Banco de Portugal vai dizendo têm a força de evangelhos, ou no caso da OTA em que a decisão foi adoptada com base em relatório que ninguém leu, ou ainda com as férias judiciais em que também houve um relatório conclusivo que, como começa a ser um costume, dava a razão ao ministro.
O efeito surpresa
Prepara-se a medida em segredo, escolhe-se o momento mais mediático apresenta-se a medida quase sem oposição e desaparece-se. Foi o que Sócrates fez com a reforma da segurança social, que foi apresentada no debate mensal do parlamento e nem sequer o grupo parlamentar do PS tinha conhecimento da iniciativa. Nestas condições dificilmente aparece uma voz crítica consistente, Sócrates é o único que se preparou para o debate, é ele que tem os dados na mesa e conta com um regimento parlamentar em que é preciso um pimeiro-ministro ser um idiota para perder os debates.
Antecipar os debates antes das decisões
Muitas das decisões deste governo têm sido antecedidas de "factos políticos" que geram a discussão em torno de uma eventual decisão se que o governo a tenha tomado e, por conseguinte, a obrigação de a defender. Quando o debate está esgotado a medida é adoptada e pouco se fala sobre o tema. Um bom exemplo disso foi a substituição de Freitas do Amaral que foi antecedida de uma entrevista ao Expresso que gerou grande discussão, de tal forma que a remodelação do governo foi menos debatida do que a mudança de um director-geral.
A culpabilização
Com uma cultura judaico-cristã que nos ensina que já somos culpados ainda antes de nascer porque, por definição, somos o fruto do pecado, não é difícil incutir em grupos sociais o sentimento de culpa pela situação do país. A culpa dos excessos do Estado não é do políticos que governaram o país, é dos funcionários, o mal da justiça é dos magistrados que têm excesso de férias, o insucesso escolar resulta da incompetência dos professores, o défice resulta dos abusos dos funcionários públicos. Cabe ao governo a árdua tarefa de lutar contra poderosos grupos de interesses que levaram o país à beira da ruína e agora tudo fazem para se opor às medidas correctivas.
A denúncia
Nesta estratégia de culpabilização a denúncia antecipa as medidas, identificando os culpados de todos os males, antes de serem divulgadas as medidas sopram-se uns dados aberrantes para a comunicação social colocando os grupos profissionais na defensiva e lançando a opinião pública contra esses grupos profissionais. Depois o governo adopta as medidas que põem cobro às malandrices.
A predestinação
Sócrates é o predestinado que vem redimir a esquerda dos seus deputados, converter a direita e salvar o "estado social". A direita agradece o argumento desde que o "estado social" seja menos estado, e a esquerda é incapaz de criticar quando está em causa o mais sagrado dos seus princípios religiosos. Só que ninguém sabe qual é o "estado social" a que Sócrates se refere, apesar de se perceber que depois das suas medidas o Estado é cada vez menos social.
O recuo
«Olho não vê, coração não sente» parece ser esta a máxima de Sócrates segue quando enfrenta problemas, se um ministro está em dificuldades desaparece, se um secretário de estado diz uma baboseira logo um assessor se encarrega de dizer-lhe para ficar calado. Veja-se o caso do ministro da Agricultura que desapareceu depois das críticas de Cavaco Silva, ou o secretário de estado da Administração Interna que foi vítima do mesmo fenómeno depois de ter dito umas asneiras a propósito da taxa de alcoolémia.
A estratégia de Sócrates é brilhante e eficaz, mas tem um pequeno senão, se a saúde da democracia depende da participação e boa opinião dos cidadãos esta está a ser condicionada, o debate público é transformado num teatro de marionetas.
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- Nota bene: já todos nos apercebemos que o(s) autor(es) do Jumento que é certamente o melhor blog nacional - não morre d' amores nem pelo PR, Cavaco Silva nem pelo líder da oposição, Marques Mendes - que são até aí alvo de inúmeras críticas. Mas o que é mais curioso, para não dizer paradoxal, é que é essa mesma oposição (o PSD) o partido que mais e melhor aproveita a informação, as dicas, as estratégias e as pistas que aí são veiculadas. Será uma ironia do destino? Talvez... mas o destino é, ele próprio, povoado de tantas fatalidades.
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