quarta-feira

"Se bem me lembro" - por Vitorino Nemésio -

  • Então com 9-10 anos batendo com a testa pelas esquinas das mesas, ficava magnetizado ouvindo o Vitorino "Menésio" - como então lhe chamara, e durante anos pensei que assim é que era o seu nome. Perdi muita jogatana à bola, ao bilas, ao peão, passeatas de bicicleta para ouvir este mestre do pensar e do discorrer. O que discorreria ele hoje a propósito da nossa sociedade, da nossa política, economia, cultura e o mais. Nunca percebi bem o que um puto de 10-12 anos via neste homem que em 1978 se apresentava na caixa negra para falar a dobrar: com a boca e com as mãos. Talvez hoje, já com mais uns cm de estrada, possa dizer que o que nele me fascinava foi a sua verdade criativa, a sua inventiva filosófica e tecnológica, a sua densidade artística e científica avançando sempre com raciocínios múltiplos que nos baralhava, mas que servia para encarnar em muitos tipos sociais que faziam dele uma espécie de agente mágico da comunicação, fomatando uma cultura, seduzindo até um puto de 10 anos que, embora não percebendo a mensagem da comunicação - intuíra que havia alí comunicação e mensagem. De modo que, entre o ouriço centrado numa única visão central dos factos e uma raposa de muitas sabedorias - via em Nemésio essa tal raposa do conhecimento que perseguia várias pistas ao mesmo tempo, ainda que contraditórias, mas sempre com uma densidade moral, ética, política e artística. Então puto sismava - por via da intuição - que estava alí um captador de essências e de fragâncias, de experiências e de objectos, qual espécie de Aristóteles à portuguesa que, desde então, me deixou magnetizado. O "pior" era quando ele começava a tocar guitarra e a dissertar ao mesmo tempo, esfolando os dedos e partindo as cordas à guitarra. Já em puto, diante de tamanho espectáculo num desatino total - e sem saber bem porquê, caía e recaía só de o ouvir tocar... E hoje, o que eu não daria só para voltar cair da cadeira... Enfin, como dizem os franceses, Se bem me lembro...