quinta-feira

Academia lusa: o universo da endogamia, mia, mia, mia)))

A universidade, o coelho e o leão Quando penso na Universidade portuguesa recordo a tese do coelho que faz o doutoramento e tem boas condições para o concluir, por contraste com as condições de trabalho dos investigadores portugueses. O papel da universidade é, hoje, parecido ao da Igreja ou ao das Forças Armadas, instituições que já tiveram a sua relevância na articulação do simbólico com o imaginário dos portugueses. Sendo factores detonadores de modernização e mudança política, reforçando a coesão e a identidade nacionais, hoje em crise. Nas actuais condições, a universidade já não pode exercer aquele papel estruturante na história nacional. Hoje tudo se complexificou, a sociedade portuguesa é mais conflitual e está ameaçada por desequilíbrios que deixou acumular e não têm fim à vista. Só muito pontualmente, a universidade é vista como um centro de racionalização estratégico e de produção de conhecimento com capacidade autónoma e homens qualificados em I&D, quais filtros na avaliação do quadro de possibilidades do sistema económico, social e cultural.
A declaração de Bolonha, que visa dar mobilidade e uniformidade ao ensino universitário europeu, também não é garante de qualidade que inverta a situação.
Dito isto, conclui-se que a Universidade em Portugal está a regredir na proporção directa do défice de crescimento estudantil, agravado com as universidades-cogumelos que proliferaram na década passada numa manifestação paradoxal do exercício do poder. Para os novos investigadores a universidade não é senão uma plataforma de gestão de carreiras universitárias dos seus próprios funcionários; e não um centro de produção e formação de massa crítica para desenvolver o país. Assim, desaparece a sua clássica função de responsabilidade pelo conhecimento produzido, dissolvendo-se também a sua missão de vigilância crítica sobre a evolução da sociedade, que hoje só existe como pressão corporativa dos interesses organizados e das conveniências do momento, integrados nos órgãos académicos que vivem da endogamia, da cooptação e do tradicional fechamento ao exterior num esquema de auto-referenciação paroquiano.
Privada da função de vigilância crítica sobre a trajectória da mudança, a universidade perde identidade e deixa de poder avaliar o quadro de possibilidades para o futuro. O país fica limitado nos seus centros de racionalidade e inovação, colaborando silenciosamente na ocultação dos seus problemas que atiram Portugal para uma crise de viabilidade, sustentabilidade e até de governabilidade por ausência de elites políticas.
  • Esta paz podre, feita de encobrimento e ocultação egoístico-corporativa dos problemas, existe na academia. De que até são co-responsáveis os próprios media, centros produtores de informação e difusão de notícias para as multidões. Seleccionando só aqueles acontecimentos que oferecem um maior potencial mediático em termos de receita publicitária, só garantindo coberturas quando há conflitos entre as Associações e a tutela numa lógica populista para gáudio das audiências.
  • Recordo a fábula do coelho que um dia dá de caras com uma raposa (que saliva) e lhe pergunta o que ele faz ali! O coelho responde que faz a sua tese de doutoramento. A raposa inquire qual é o tema, e o coelho-doutorando diz que é sobre uma teoria que prova serem eles os verdadeiros predadores e não as raposas. Indignada, a raposa achou a ideia ridícula chamando a si essa função de regulação da cadeia alimentar. Então, o coelho levou-a à sua toca, local da prova experimental. Após estranhos ruídos, segue-se um silêncio assustador e o coelho sai da toca para retomar a redacção da sua tese.

  • A história repete-se com a raposa (esfomeada), que o coelho conduz à toca para igual prova. Após ruídos e uivos, o coelho sai da toca como entrou. Só que dentro da toca, tal como no interior da Universidade, vêem-se duas enormes pilhas de ossos ensanguentados: uma de ex-raposas e outra de restos mortais de lobos. E ao centro vê-se um leão satisfeito e bem nutrido a palitar os dentes.
  • Quando se olha para a Universidade portuguesa não importa o tema ou a qualidade da tese, o que importa é quem é o leão (God father) que cada um tem no seu interior..
Nota bene: O problema reside naquela leão, que é a cabeça da hidra. Ele cresceu, engordou à sombra desse modus operandi. E hoje, feito doutor, agregado, catedrático , com gaminete e letreiro à porta com muitos prefixos e com um contrato vitalício com o Estado que lhe paga bem - ele não consegue inverter o ciclo e tende e reproduzir os mecanismos que lhe ensinaram: endogamar, endogamar, endogamar. Alguns fingem que fazem, fingem que são diferentes, que são revolucinários e querem mudar o xistema por causa de Bolonha, de pizza, da mafia, da lazanha mas... é tudo fogo de vista. Os anos de casa, o background cultural, os recalcamentos do passado, o caldo de cultura endogâmico que integra há décadas é, afinal, mais forte do que ele. Perante as arremetidas e os fogachos reformistas nos seios das universidades lusa (disse "seios" para não dizer "tetas" - outra fonte de recrutamento) ele fica-se prostado, embora gesticulando, inventando, mais que não seja para mostrar aos demais que é diferente, que conseguiu "matar o pai", mas, na realidade, não é. Todos estes leões, leõesinhos são filhos do mesmo sistema: o Portugal doente, provinciano, vingativo que gosta de enxovalhar e que se protege a si próprio e resiste ao que é diferente. E o que é diferente é "mau", tão mau na medida em que faz melhor. Certas correntes mais radicais defendem, perante tantas hidras irreformáveis que bloqueiam actualmente a Academia, que a universidade lusa só se reforma duma maneira: à bomba. Eu, confesso, não iria tão longe, até porque as bombas estão caras, muitas já foram gastas na guerra do Iraque e com a carestia de vida o dinheiro que se gastaria nelas tosquiava-se o leão... Qualquer barbeiro de Alfama ou do Restelo fazia-o de borla.