A dignidade e a decência - por Baptista Bastos
A dignidade das funções exigiria, de qualquer dos que tais, um sinal de grandeza; e a decência, constante na ética, imporia um assomo de civilidade. Nesta triste omissão reside um vestígio de autoritarismo insuportável. Autoritarismo, aliás, frequentemente demonstrado por ambos os comparsas. O dr. Cavaco excomunga quem não afine pelo seu diapasão, caso, entre demais, da perseguição sórdida a José Saramago; e o dr. Passos expurga quem o afronte: neste assunto, o dr. António Capucho. Mas há mais: a lista das exclusões praticadas pela parelha, além das morais, é de molde a deixar com espasmos no esófago o mais desentendido de todos nós.
Com estes dois ninguém está a salvo, e a teia reticular de interesses, criada, por um ou por outro, ao longo destas décadas, e mantida através de uma fileira de acólitos estipendiados, tem impedido, até agora, a acção da justiça e a punição dos prevaricadores. O Estado, este em que vivemos, não é propício a quem manifesta a dissidência. E o silêncio dos intelectuais possui o formato de uma capitulação, sem paralelo na nossa história. O perigo do desabar da democracia não é despiciendo. Os bárbaros estão às portas de Bizâncio, e há quem continue a assobiar para o lado ou a discutir o sexo dos anjos.
Carlos do Carmo é mais um episódio a acrescentar às façanhas de quem tem reduzido a pátria ao mesquinho da mesquinhez. O grande artista, pelo contrário, tem-na elevado, cantando-a, e à lírica das ruas e dos bairros, com a força e o amor genuínos de quem fala de um mundo conhecido e estremecido. A "atmosfera de finitude", referida pelo meu saudoso amigo Luís Fontoura, tem muito a ver com aqueles dois, por aquilo de funesto que representam.
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Obs: Lamente-se mais este episódio.
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