terça-feira

Incapacidade em furar o cerco: falta de lealdade social

a Arte da Mentira política, é uma arte quão útil e quão nobre; que havendo esta sido enriquecida neste último século, com várias novas descobertas, não é bom deixá-la por mais tempo como coisa de refugo e envolta em barafunda; e que a justo título pode ela ter a aspiração de figurar na Enciclopédia, mormente na que sirva de modelo para a educação dum hábil príncipe. Devendo-se acrescentar que ela se propõe alcançar notória fama nos séculos vindoiros.
A grande maioria dos portugueses são aqueles que politicamente ora votam no PS ora no PSD, alinhando as maiorias em cada um deles em função do líder que cada partido apresenta ao eleitorado. Sendo certo que o PS orienta a sua acção por uma conduta mais estatizante e o PSD pauta a sua praxis por uma lógica mais liberal. Se bem que esta distinção não é válida em toda a linha da governação, visto que o PS também tem defendido a privatização de inúmeras empresas e serviços públicos fazendo perigar o bem comum mínimo que seria suposto acautelar.
Na prática, os portugueses alinham por este bloco central, e é isso que explica a razão por que desde 1976 são o PS e PSD que detiveram o poder, ainda que com alianças pontuais com o CDS a fim de viabilizar governos de minoria parlamentar que doutro exigiram convocação de novas eleições.
Duma forma tosca é isto que se passa, sendo certo que na realidade não há grandes diferenças entre PS e PSD, que se distinguem mais pelo típo de líder, sua personalidade e, claro, pelo conjunto dos procedimentos do estado espectáculo que rodeiam a ficção das diferenças de identidades que, em rigor, não são assim tão grandes. O que faria Pedro Passos Coelho de diferente de Sócrates na Economia, nas Finanças, nos Negócios Estrangeiros, no Ambiente, na Educação, etc.
Certamente, haverá diferenças, mas são elas de substância ou de forma e em relação ao timing da sua aplicação?!
É claro que milhares de portugueses já estão fartos de Sócrates, dos impostos que lançou sem os prometer no programa eleitoral, mas será que os portugueses não interiorizaram já a ideia de que com PPCoelho a coisa seria exactamente assim?! Creio que sim.
Isto leva-nos a uma outra questão: a de saber que ideias novas existem para refundar o sistema político em Portugal e colocar a economia nacional mais produtiva e competitiva. E aqui constamos que não existem novidades, é tudo como dantes quartel-geral em Abrantes. E não respondendo a estas duas questões resvala-se para o universo da indiferença no mar do relativismo.
Por outro lado, e isto é um movimento global que escapa ao PS e ao PSD ao mesmo tempo, as estruturas hierárquicas de governo deixaram de estar à altura da racionalidade social e económica recortada pelos sistemas sociais que hoje são substancialmente diferentes, como os media, o sistema económico-financeiro, o sistema tecnológico, a ciência, a educação, o ambiente. Todos estes subsistemas se emanciparam da tutela outrora omnipotente do Estado mas, ao mesmo tempo, ainda precisam dos seus recursos e regulação para que as sociedades não descambem na anarquia - para que caminhamos. Basta olhar para o dramático caso grego...
Paralelamente, as liberdades emergentes que esta autonomização dos sistemas sociais consolidou vem acompanhada do risco inerente às suas particularidades e interesses identitários desses subsistemas que acabam por por em causa a totalidade do interesse comum. Na prática, e à luz dos partidos que entroncam o arco da governação como são o PS e PSD, cada um tende a ver e a considerar a realidade em função dos seus interesses partidários, daquilo que é mais rendoso politicamente ou oportuno para as respectivas lideranças. E nem sempre aquilo que é decidido pelas cúpulas partidárias joga em linha com os verdadeiros interesses nacionais que, em inúmeros casos, até são desconhecidos porque, em boa verdade, não se procedeu aos estudos técnicos necessários que permitiriam identificar as variáveis que determinariam o que é, a cada momento, o verdadeiro e efectivo interesse nacional.
Um exemplo: quantos economistas se entendem quanto à necessidade de realização do TGV? Cada partido tem o seu arsenal que defende a sua concretização e o seu adiamento, já para não falar na discípula de Cavaco, a srª Ferreira que quando era chefe do economato do PSD na moviflor da Lapa chegou mesmo a defender numa entrevista que caso fosse PM rasgaria o projecto, o que indispôs os espanhóis e as instituições (financiadoras) europeias que asseguram boa parte da sua concretização.
Este é o exemplo mais flagrante, mas muitos mais casos heverá que dividem artificialmente as elites partidárias sem que se chegue a saber se efectivamente essa divergência é de fundo ou de apenas de forma, é efectiva ou artificial. O que só reforça a ideia segundo a qual a democracia é uma pura representação de interesses neo-corporativos que operam sob a aparência do bem comum e do interesse nacional.
Aqui chegados, podemos concluir que existe nos sistemas sociais algo que se poderia designar de falta de lealdade social e política, com a maior parte do eleitorado, por várias razões, a não compreender o que se passa. E é precisamente nessa indiferença e ignorância funcional que se concentra a função política em Portugal, e até na Europa, sem que existam mediadores sociais credíveis que desmontem essa complexidade de forma clara e objectiva.
Há muito que os portugueses crêem que governar é atingir interesses corporativos disfarçados de interesses nacionais, e se assim é, esses mesmos portugueses perguntam-se qual a verdadeira diferença entre PPCoelho e Sócrates. Será que o reconhecimento desta impotência abrirá a porta a um governo de coligação?! Pode ser...
Em qualquer caso, a experiência de governos de cooperação ou de coligação, a exemplo do que se tem passado na União Europeia, já tornou objectivo que a negociação não é um modelo de decisão menos eficiente do que a decisão assente no modelo hierárquico dum governo monocolor.
Se isto tem algum fundamento, terá alguma relevância aquilo que o poeta Alegre disse a semana passada numa entrevista: Cavaco quer ser novamente eleito PR para correr com Sócrates e facilitar a vida a PPcoelho. Como, de resto, tentou fazer ao apoiar Ferreira leite nas últimas eleições legislativas, e até chegou a conceber uma inventona estúpida que só poderia ser executada pelo jornalista Fernando lima, o assessor que agora trabalha nas catacumbas de Belém e, em tempos, ia levando o DN à falência.
Nesta perspectiva, governar pode significar menos Estado e mais e melhor política. Mas também aqui se coloca um problema: como será isto possível se quer o candidato a PM quer o próprio PM têm mais semelhanças do que diferenças?! E, in private, acredito que estejam ambos de acordo quanto à necessidade do TGV... desde que seja realizado com recursos e tecnologias nacionais, evidentemente!!!

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