domingo

Requiem pela separação de poderes em Portugal

É hoje comum afirmar-se que o princípio da separação de poderes em Portugal é uma fantasia, ninguém o respeita e é por muitos proclamado mas não é, em rigor, observado por ninguém.
Este desrespeito entronca, afinal, com outra realidade da própria natureza humana: se os homens fossem governados por anjos, não seria necessário haver governos. Uma afirmação interessante de Madison feita em O Federalista que resume bem a nossa própria condição humana, denunciando uma visão realista e pessimista daquilo que o homem verdadeiramente é.
Sobretudo em sociedade, pois nunca devemos perder de vista a ambição, a vingança e o carácter de rapina que integra o ADN do homem, e em política essas são características que se amplificam. Não valerá a pena negligenciar estes comportamentos do homem, porque a história está repleta delas, algumas até dirimidas com recurso à guerra civil, ante a incapacidade de os homens numa mesma sociedade serem capazes de resolver os seus diferendos. A violência é sempre o recurso.
Portugal, salvo melhor opinião, vive um pouco essa guerra civil em que jornalistas estão contra políticos, estes contra aqueles, muitos estão contra a justiça, a justiça contra a sociedade – que já não tolera regalias e privilégios neofeudais dessa velha corporação em que os juízes julgam estar. Ou seja, a sociedade portuguesa ficou disfuncionada e, obviamente, o velho princípio da separação de poderes constitucional teorizada pelo barão de Montesquieu converteu-se numa ilusão entre nós. Resultado: todos os poderes constitucionais se desrespeitam.
Ninguém hoje controla ninguém. Porque não somos controlados por anjos, mas por outros homens – devemos sempre ser controlados por um conjunto de órgãos constitucionais que impeçam os homens de abusarem uns dos outros, com prejuízo para o bem comum da sociedade. O problema reside no seguinte: o governante controla o governado, mas depois este tem dificuldade em controlar o governante, ou, pelo menos, tem dificuldade em levar o governante a controlar-se a si próprio, a auto-regular-se. Por isso é que a existência da lei deve ser sempre um travão às eventuais degradações do poder, que podem conduzir os homens ao arbítrio e à tirania.
Hoje, curiosamente, alguns jornalistas acusam alguns órgãos de poder desses vícios e degradações. Daí a grande urgência em recuperar a filosofia do Federalista, que se filia na boa tradição do pensamento liberal e constitucional. Pois nunca podemos negligenciar a natureza humana, já que sendo o homem aquilo que ele é verdadeiramente, nunca podemos esquecer que quando ele detem o poder tende a dele abusar, e só raramente esse abuso coincide com o bem comum de que nos falava um dos fundadores da Ciência Política, Aristóteles.
Tal como Madison não negamos aquilo que o poder é, por natura, usurpador, e que, por isso, carece eficazmente de ser contido, refreado. Daí a pertinência da nossa questão: será legítimo conferir essa responsabilidade aos jornalistas em Portugal como forma de controlar o governo, por um lado, e de controlar os cidadãos, por outro?!
Creio que não. E se hoje reina alguma anarquia na sociedade e no Estado em Portugal tal decorre da não aplicação daquele princípio da efectiva separação de poderes sistematizada em O Federalista, que postula que um poder só é limitado por contraposição a outro poder, que o limita. Mas tem que o fazer com competência e legitimidade.
Será que é isto que vemos fazer o PGR, o presidente do STJ e outros órgãos conexos relativamente ao governo?! A resposta é, infelizmente, negativa.
Hoje as três funções do Estado - executiva, legislativa e judiciária subverteram-se, pois cada um deixou de exercer com competência aquilo que é a sua esfera de actuação específica, e os media (que são os poderes fácticos com maior impacto social), para agravar esta relação patológica do nosso sistema político, acabam por degradar ainda mais essa disfunção da sociedade e do Estado.
O que falta então no ordenamento político português para que as coisas comecem a funcionar?
Talvez uma coisa simples, que passa pela adopção desse velho princípio da separação de poderes que se justifica sempre para evitar o arbítrio e a tirania, seja do governo, da república dos juízes ou até mesmo da mediacracia – cada vez mais vigente em Portugal em que os jornalistas violam sistematicamente o segredo de justiça a fim de queimar na praça pública A, B e C sem que tenham culpa formada ou sequer que sejam constituídos arguidos.
O problema é que antes de certos jornalistas terem tais informações elas passam pelo passador dos insterstícios do aparelho judicial – que faz fortunas com a venda de tais informações, além de se vingarem daqueles que estão na política contra a sua vontade.
Ou seja, Portugal é hoje um país armadilhado em que nada funciona, e a justiça talvez seja o nosso maior cancro cujas metástases estão a contaminar todo o nosso tecido social. E isso não só põe a sociedade contra o Estado, como impede que investidores externos demandem o nosso país para aqui criarem riqueza, gerar emprego, bem-estar e qualidade de vida entre os portugueses.
É óbvio que tudo isso não se consegue com a boa aplicação do princípio da separação de poderes, mas seria uma ajuda que começássemos por aí…