terça-feira

A justiça portuguesa evoca as tribos kabyles

A corrupção em Portugal tem sido mais anunciada do que confirmada, julgada e sentenciada. Cada vez mais cresce o sentimento nos portugueses de que a Justiça é lenta, cega, actua sem critério e, com isso, deixa uma imagem de impunidade junto dos portugueses. É indiferente a sua existência.
As fugas selectivas que o aparelho de justiça vai fomentando são óbvias, quer se trate do mega-caso da pedofilia, quer dos chamados crime de colarinho branco que envolvem dinheiros públicos e privados ou fugas ao fisco e crimes económicos conexos que diariamente nos chegam pela porta grande dos media.
Daqui nasce uma incerteza jurídica, que adensa a inoperância da justiça, que deveria ser célere, eficiente, eficaz, numa palavra, justa. Ora, a justiça que temos é cara e injusta. Além de que os media têm um acesso verdadeiramente promíscuo às fontes judiciais (com a estranha cumplicidade destes operadores), com isso violando gravemente o tão proclamado segredo de justiça que o Sr. PGR, do alto do Palácio Palmela, proclama mas que nunca consegue fazer cumprir. Neste sentido, Pinto Monteiro foi uma desilusão enquanto actor fundamental garante do aparelho de justiça, alguém que fala para si, de si mas que nenhuma eficácia tem conseguido demonstrar na administração dos casos de justiça com que o país se defronta: apito dourado, o caso BPN, o caso BPP, a operação furacão, doravante a chamada operação face oculta. Em todos eles, existe imenso estardalhaço e pouca eficácia.
Ora, a justiça, assim como os seus titulares e operadores têm e devem ser discretos por natureza. Pois considera-se que quanto maior for a discrição maior poderá ser a eficácia no apuramento destes casos.
Isto revela, directa ou indirectamente, que a culpa em Portugal continua a morrer como sempre morreu: solteira. Todos, na hora “h”, são uns inimputáveis. Decorrerá isto da falta de formação dos nossos magistrados e dos nossos juízes? Porque razão a administração da justiça nuns países é tão célere e justa e noutros, como em Portugal, é lenta, cara e injusta?!
A justiça torna-se, assim, no nosso país em algo indicível e indecidível, não podemos reagir à sua inoperância, apenas criticá-la sem qualquer eficácia. Tudo não passa, afinal, duma banal conversa de café. Fala-se de tudo, mas nada se resolve.
Por momentos chego a pensar que as coisas são como são na justiça, empobrecendo os portugueses e Portugal, afastando investimento directo estrangeiro, preterindo a produtividade e a competitividade face às demais nações e economias, comprometendo a qualificação dos portugueses como aquelas tribos kabyles estudadas por Pierre Bourdieu, que se arruinavam à custa dos presentes cada vez mais sumptuosos que ofereciam uma à outra. À nossa maneira, eis o que o nosso aparelho de justiça vai fazendo em Portugal.
E a ser assim, a haver algum fundamento nos indícios de corrupção que a justiça evoca e os media indevidamente publicitam, como abutres esfomeados violando flagrantemente o segredo de justiça e o bom nome das pessoas, que gozam sempre de presunção de inocência até trânsito em julgado, é pena porque Portugal e os portugueses ficam, de facto, mais pobres e menos competitivos, seja na ordem doméstica seja na esfera da Europa comunitária que integramos e no domínio da globalidade em que hoje, bem ou mal, todos estamos envoltos nesse abraço armilar que, por vezes, esmaga.