sexta-feira

EM PROL DO EURO - por António Vitorino -

O sublinhado é nosso.
EM PROL DO EURO, in DN
António Vitorino
Jurista
Ontem, o Banco Central Europeu reduziu de novo a taxa de juro de referência em cinquenta pontos-base. Significa isto que os instrumentos de política monetária anticrise têm vindo a ser aplicados paulatinamente, embora os resultados no plano da economia real não sejam visíveis no imediato.
Neste momento importa sublinhar mais uma vez a vantagem inequívoca de pertencermos à Zona Euro. Nem vale a pena imaginar o que seria a situação portuguesa, atentas as vulnerabilidades económicas conhecidas, se não nos tivéssemos qualificado em 1999 para a moeda única europeia. Mas basta ver o que se passa nos países da Europa Central e do Leste que não estão na União Económica e Monetária para percebermos o que nos esperaria.
Em Outubro do ano passado sublinhei nestas páginas a mais-valia do euro para dissociar uma crise financeira de uma crise cambial. Mas já nessa altura sublinhei que provavelmente a função de "escudo protector" do euro correspondia também à mais severa prova de fogo a que estaria sujeita a moeda única europeia.
De então para cá, o debate sobre a resposta à crise em função dos seus efeitos na economia real tem recorrentemente colocado a questão de saber até que ponto é que a moeda única resistirá aos impactos da recessão.
É evidente que esta é uma crise global e que nenhum país escapa à recessão. Mas se a crise é global, já os seus efeitos, tanto no plano das contas públicas dos Estados como no funcionamento das economias nacionais, são diferenciados. Por isso, uma crise com origens e perfis idênticos pode provocar efeitos assimétricos. Efeitos esses já testados no crescimento muito relevante do diferencial dos spreads dos empréstimos contraídos pelos vários países da Zona Euro em relação aos da dívida pública alemã.
Para além dos países que se podem considerar mais expostos à pressão dos mercados (como a Grécia) surgiram diferenciais muito assinaláveis nos casos da Irlanda e da Áustria e o efeito repercutiu-se, também, na dívida colocada pela Itália, pela Espanha e por Portugal. Curiosamente, estes diferenciais não foram acompanhados por igual pela reclassificação dos ratings dos países em causa por parte das agências de notação (à degradação da Espanha, da Grécia e de Portugal não correspondeu movimento equiparável em relação à Irlanda e à Áustria), o que só revela como é inaceitável o actual estado de coisas quanto ao funcionamento e à supervisão destas agências.
Os eurocépticos rejubilam com este estado de coisas, antecipando a morte do euro a curto prazo, ainda que para tanto tenham que esconder que, nos últimos meses, a libra esterlina sofreu uma depreciação em relação ao euro na ordem dos vinte e cinco por cento.
Independentemente dos desejos dos eurocépticos, não adianta negar que a situação na Zona Euro é particularmente delicada. A começar pela ameaça potencial que representa a fragilidade da situação financeira de vários países da Europa Central e do Leste, de entre os quais a Hungria e a Letónia já tiveram que recorrer a injecções financeiras do FMI e da própria União para garantir a sua capacidade de pagamentos internacionais.
Só que qualquer situação de quebra de pagamentos nesses países que não estão na moeda única teria sempre um efeito imediato e inevitável na própria Zona Euro, atento o grau de exposição de vários bancos de países do euro nesses mercados, a começar pela Áustria e Suécia, passando pela própria Alemanha.
Daí que apoiar a estabilização financeira desses países seja não apenas um imperativo de solidariedade europeia mas também uma medida cautelar de sustentação da própria moeda única.
Em tempos de crise financeira e de recessão económica é sempre mais difícil pregar o valor da solidariedade e é maior a tentação do "salve-se quem puder", o mesmo é dizer do retorno ao nacionalismo e ao proteccionismo.
Ora, por muito imperfeita que seja a arquitectura da moeda única europeia, a sua existência constitui hoje um instrumentos fundamental de resposta à crise e por isso nada deve ser feito para afectar a sua credibilidade presente e potencial para o futuro.
Obs: António Vitorino tem andado a bater na tecla de que se deve consolidar o sistema financeiro dos países da Europa Central e do Leste. Demonstrou neste pequeno artigo que se Portugal não estivesse integrado no "escudo EURO" seríamos hoje a Albânia do canto sodoeste da Europa cujo modelo económico e social fez as delícias de Louçã (do BE) e abriu os apetites ideológicos e programáticos do PCP do tempo de Abril. Mas como estamos no Euro, e aqui Vitor Constâncio - Governador do BdP - até fez algo de que se pode orgulhar (nem tudo é mau nele!!!) a economia nacional está hoje mais protegida. Mas dada a aridez do tema, que deixa muita gente sem perceber o que realmente se passa nos interstícios do sistema financeiro internacional, talvez seja urgente meditar nestas úteis e lúcidas notas de António Vitorino. Pois goste-se ou não das suas análises temos, necessáriamente, de concordar com elas. E é curioso notar que elas - as notas - até são solidárias para com os países do "frio", apesar de sabermos hoje que a economia é global e não pode ser dividida por fronteiras territoriais da Guerra Fria. Hoje as economias são atmosféricas por força da revolução das Tecnologias da Informação e da Comunicação e da Decisão Estratégica. A alternativa a esta urgente solidariedade em matéria de sistema financeiro é um desastre constante do nacionalismo e do proteccionismo a que o analista também faz referência.