quarta-feira

Vital Moreira e o Jumento no Macroscópio

O CASO FREEPORT COMO "QUESTÃO DE ESTADO"
«Para não responder a perguntas dos jornalistas sobre o caso Freeport, o Presidente da República afirmou que aquela não era ocasião apropriada para se pronunciar sobre "assuntos de Estado". Sou dos que pensam que, com os contornos que ele assumiu, o caso se transformou numa efectiva questão de Estado, que por isso mesmo não se compadece com o silêncio presidencial.
A questão está na gigantesca instrumentalização de uma investigação penal inconclusa e reservada, planeadamente "filtrada" para o exterior, para efeitos de um verdadeiro julgamento político-mediático do primeiro-ministro, tendente a torná-lo suspeito (na melhor das hipóteses) ou sumariamente condenado (na pior) aos olhos da opinião pública, por alegada corrupção, apesar de o Ministério Público, que é a autoridade responsável pela investigação, ter vindo asseverar publicamente (embora somente ao fim de duas semanas de intensa campanha de suspeições e especulações) que Sócrates nem sequer está a ser investigado, por não haver no processo nenhum elemento que o justifique.
O que transforma este caso numa incontornável questão de Estado são as violações qualificadas dos mais elementares princípios do Estado de Direito e da lisura, transparência e responsabilidade do combate político.
Em primeiro lugar, é inaceitável que uma investigação destas, iniciada há cinco anos com uma denúncia anónima, tenha demorado este tempo todo sem adequado esclarecimento, tanto mais que já em 2005 tinha havido uma conspiração para tentar inculpar o então candidato a primeiro-ministro, envolvendo agentes ligados ao processo, militantes dos partidos de Direita e jornalistas (conspiração que entretanto foi devidamente exposta e judicialmente punida). O bom nome dos investigados, sobretudo quando políticos, não é compatível com tal demora.
Em segundo lugar, não é admissível que, subitamente, no início de um ano eleitoral, todos os elementos do processo, incluindo denúncias em bruto sem qualquer confirmação ou prova, que deveriam permanecer reservados, tenham começado a aparecer nos media, obviamente a partir de dentro do processo, numa óbvia manobra planeada para denegrir e comprometer pessoal e politicamente o primeiro-ministro. Desde o caso Casa Pia que se não assistia a uma tão maciça "fuga" de dados em segredo de justiça para efeitos de perseguição política.
Ora, no meio desta ostensiva campanha de "assassínio político" do primeiro-ministro, diariamente amarrado ao pelourinho, Cavaco Silva optou por não se pronunciar. Sendo evidente que o Presidente da República não pode nunca pronunciar-se sobre uma investigação penal nem tem de socorrer politicamente o primeiro-ministro, o silêncio não é porém uma opção quando estão em causa os princípios do Estado de Direito e a transparência e responsabilidade das instituições.
O Presidente da República perdeu uma excelente ocasião, no seu discurso na sessão inaugural do ano judicial, de denunciar e censurar em geral a inaceitável demora das investigações penais (em prejuízo do bom nome dos suspeitos inocentes), a recorrente e impune violação do segredo de justiça (que vincula toda a gente) e a frequente instrumentalização de informações ou pseudo-informações não confirmadas, para fins de ataque político qualificado. Justificava-se também o apelo para o rápido apuramento das responsabilidades (se as há), para impedir que o caso Freeport continue a envenenar a vida política e a manchar irremediavelmente a credibilidade do chefe do Governo.
A jurisdição constitucional do PR, como supervisor do sistema político, não consiste somente em impedir os eventuais abusos de poder do governo e da maioria parlamentar, mas também em defender as instituições contra o abuso de funções por parte de poderes não responsáveis democraticamente, ainda por cima ocultos. O silêncio de Belém é tanto mais controverso, quanto é certo que, se não for esclarecida a tempo, esta operação de "julgamento popular" do primeiro-ministro, por via mediática, pode vir a ter efeitos colaterais decisivos no actual ano eleitoral.
Sendo óbvio que o enlameamento de Sócrates e a difusão da suspeição política sobre ele poderá acarretar consideráveis perdas eleitorais ao PS - sendo esse obviamente o objectivo deliberado dos que desencadearam e alimentam esta operação, que repete de forma mais "profissional" o ensaio de 2005 -, é por demais evidente que o resultado da eleições pode vir a ser decisivamente influenciada por ela. A oposição pode vir a beneficiar ilegitimamente de uma oportunidade que nem o julgamento da acção do Governo nem a sua própria alternativa política manifestamente lhe poderiam proporcionar.
É evidente que numa democracia a sério nenhum primeiro-ministro poderá sobreviver a uma acusação fundada de corrupção. Mas também é inegável que dificilmente deixará de ser eleitoralmente penalizado em caso de simples suspeita de corrupção, mesmo que totalmente infundada, se não puder contrariá-la eficazmente a tempo de limitar os estragos. O que não se pode tolerar é que, por acção conjugada de uma deliberada instrumentalização de uma investigação penal (em que nem sequer está a ser investigado) com a prestimosa colaboração de uma opinião politicamente motivada, um primeiro-ministro seja eleitoralmente punido por outros motivos que não sejam os eventuais deméritos do seu governo e dele próprio. Isso daria à oposição uma imerecida vantagem eleitoral. Para dizer tudo, equivaleria a uma espécie de "fraude eleitoral perfeita".
Como se verificou com o infame assassínio político de Ferro Rodrigues, abjectamente dado como envolvido no caso Casa Pia, não se pode consentir novamente que forças não identificadas (provavelmente as mesmas) manipulem outra vez uma investigação penal no espaço público, para mais uma cruzada contra outro líder político (por acaso, também do PS).» [Público assinantes, via Jumento]
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Quem pergunta se o primeiro-ministro esclareceu o caso está a fazer uma pergunta manhosa pois José Sócrates nada tem a esclarecer e muito menos na sequência de uma manobra que envolve fugas oportunistas ao segredo de justiça. São os fascistas da justiça e os jornalistas oportunistas que deverão provar que as suspeitas que lançaram fazem sentido e cabe ao Ministério Público investigar. Que democracia é esta onde muita gente passou a pensar que são os cidadãos que devem provar a sua inocência.
Obs: Divulgue-se com uma nota suplementar: além dos "jornalistas", são as empresas de sondagens - compostas por investigadores especializados (geralmente sociólogos, matemáticos e engenheiros) em pacotes estatísticos e software conexo que após recepcionar uma perguntinha malandreca (leia-se, enviezada) regorgita a resposta desejada. Com sorte os inquiridos ainda recebem uns trocos e falam com umas loiraças engraçadas por videoconferência.
Desta feita, se um desses "engenheiros sociais" fizer a pergunta supra (a azul) a resposta será, seguramente, tendenciosa. Ou seja, a entrada das variáveis são preconceituosas - as respostas têm, forçosamente, que ser pouco rigorosas.
De resto, as sondagens são hoje utensílios fast-food para serem rapidamente consumidos pelos media, que assim produzem aquilo a que a sociologia da informação designa pseudo-acontecimentos ou factóides. É disso que se tem alimentado os media ao explorar o Freeport-affair - apesar de alguns cientistas sábios (duma sagesse que já esqueci) escreverem umas tretas nuns dias e outras de sinal contrário no day-after, para se revelarem alinhados dentro da crónica alucinação mental.
Ou seja, uma estação tv está aflita porque à noite tem uma folga de 4 min. no noticiário da noite. Telefona para um centro de sondagens. Alguém atende, anota o pedido, e à tardinha vai na motoreta servir a pizza tutti-fruti à tv para à noite o zé povinho, alienado, comer aquela mestela como se um bife da vazia se tratasse.
Infelizmente, é esta sondomania que também está a dar cabo da democracia, apesar de ser um termómetro útil. O mais grave é que isto dantes era só uma moda francesa, agora a coisa portugalizou-se. A forma como os "sondageiros" escolhem os temas e trabalham os enunciados das questões nem sempre são os mais rigorosos e objectivos.
A vantagem é que as empresas de sondagens empregam muitas pessoas. Salvem-se os empregos, elimine-se a democracia. Até nisto a aparente desgraça de Sócrates é generosa.