quarta-feira

Tempo de tensões e sobressaltos. A economia de casino e a globalização predatória

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Houve um tempo em que as pessoas aforravam o seu dinheirinho debaixo do colchão. Não era muito, mas também não haviam muitos assaltos e os incêndios ainda não integravam a cultura geral, de modo que os bancos tinham pouca procura, além de não inspirarem confiança.
Depois, passou a ser um risco guardar o dinheiro em casa, os mercados cresceram, aumentou a circulação de capital na economia, deu-se a internacionalização da economia nacional - reforçada com a nossa integração na então CEE. A actividade financeira, por força do aumento das interdependências globais cresceu na razão directa do aparecimento de instituições financeiras - que a própria liberalização da economia exigia. Ou seja, passou a haver mais dinheiro no mercado - e o armazém que serviu de depósito a esses capitais foram, essencialmente, os bancos.
Os mesmos que hoje vêem as suas mais-valias anuais engordadas e que são ritualmente denunciadas por Loução do BE, e aqui com razão.
Sucede, contudo, que a economia ao ter crescido - em dimensão e na natureza das instituições e suas operações financeiras - também introduziu no mercado uma imensa complexidade, geradora de incerteza e risco. E é tanto mais assim quanto a natureza da globalização predatória, acentuada com a desregulação, ameaça as condições de funcionamento da economia real. Recorde-se os efeitos sociais devastadores provocados pelas deslocalizações de multinacionais que se comportam na economia como os ciganos (sem qualquer ofensa ou diminuição étnica para esta categoria de pessoas que vivem segundo regras próprias) - pois quando não geram os lucros esperados levantam a tenda e zarpam para outro ponto do globo onde essa mais-valia seja assegurada, não se importando com a devastação social que deixam atrás de si. Algumas dessas multinacionais do risco, por quebrarem regras contratuais, já tiveram de devolver (e bem) dinheiro ao Estado que as acolheu e lhes concedeu benefícios fiscais (e outros) para desenvolverem a sua actividade.
Os bancos, as seguradoras, as casas de investimentos, os operadores financeiros internacionais - todo esse sector que guarda o dinheiro de terceiros - comporta-se hoje duma forma completamente artificial, gerando ondas de especulação nos demais sub-sectores da economia que acabam por financiar. Desde logo, o importante e estratégico sector imobiliário - que também vê essa bolha especulativa rebentar na cara das pessoas e instituições envolvidas - com as casinhas a não valer o que valiam, além do preço do dinheiro para as pagar aos bancos ter aumentado substancialmente, por via do aumento das taxas de juro.
De modo que hoje andam todos na corda bamba: empresários, pequenos e médios aforradores, investidores (privados e institucionais), ninguém hoje dorme o sono dos justos, todos têm que estar preparados a saltar a corda da tensão a qualquer momento, por regra para perder imensos activos que tinham guardados nessas carteiras que, afinal, se revelam autenticas bolhas especulativas sem nada lá dentro.
No fundo, o mundo da economia e das finanças comporta-se hoje como uma pequena orquestra - em que uns repetem incansavelmente certas ideias e mensagens a fim de submeter os clientes a essa doutrina do capitalismo de casino.
Depois dessa orquestração, os clientes (globais) são submetidos a uma 2ª lavagem ao cérebro nesse jogo económico de alto risco: fingir que os activos financeiros que subscreveram são unidades de crédito excelentes e que nada sobre eles os fará desvalorizar. Ou seja, têm que acreditar na mentira que compraram - técnica essa que depois é adaptada aos demais segmentos do mercado - para arrebanhar a maior fatia de clientes possível. É assim que os bancos funcionam, com muita avidez e poucos ou nenhuns escrúpulos.
Dai resulta uma 3ª regra deste esquema de globalização predatória que estourou nos EUA, e que é o efeito de contágio. Ou seja, já não são apenas os norte-americanos a não dormir, eles querem que os europeus também não consigam adormecer, assim partilham as dores e as incertezas financeiras que hoje tolhe boa parte do mundo hiper-capitalista de base especulativa.
Infelizmente, tem sido este efeito de contágio (seguido da orquestração e da transfusão que todos somos hoje economicamente sujeitos, directa ou indirectamente) que cria a ilusão global de uma unanimidade de que a economia de casino era 5 estrelas, e que todos ganharíamos com ela. Não só não podemos extrair essa conclusão como muitos de nós, se pudessem, voltariam a querer guardar o dinheiro debaixo do colchão.
Faça-se essa pergunta aos aforradores norte-americanos e encontraríamos fácilmente a resposta - com os colchões, de novo, a servir de velhos bancos. Que hoje seriam mais seguros...