quinta-feira

Fernando Pessoa viu o futuro da insónia em cada um de nós

Fernando Pessoa, sempre ele, o génio solitário que passou a povoar cada um de nós, consentidamente, com prazer e alguma vergonha. Quando Pessoa criou aquela catrafada de filhos-adoptivos, a que ficou a dever boa parte do seu sucesso, tornando-se universal, rasgou o próprio psicologismo da modernidade. O Reis, o Caeiro, o Campos, o Soares - todos eles representam hoje as máscaras de cada um de nós, embora com outros nomes, outras incarnações no anonimato da vida urbana que cada um vai tecendo no EU post-moderno. Onde reside, então, o génio de Pessoa?! Na própria antecipação, já que é isso que os poetas geniais fazem, vêm antes dos outros aquilo que precisa de ser inventado, e depois é reduzido a uma fórmula simples de modo a que todos entendam. Eis o que fez Pessoa. Aproveitou as suas insónias, inquietações e desassossegos para criar uma assembleia de heterónimos, depois de criar essas máscaras aplicou-lhes a regra de tabuada simples e fez-se o milagre da multiplicação. E o mais curioso é que Pessoa viveu este jogo não como uma mera inter-textualidade num complexo enredo de narrativas mais ou menos criativas, mas apostou a sua própria vida nessas ficções que, então como hoje, abalaram os fundamentos das nossas certezas e obrigaram a rever os pressupostos da nossa cultura. Quantos de nós já actuaram com uma máscara diferente consoante o dia da semana?! E quando as coisas não correm bem, esse postiço transforma-se num verdadeiro drama. E a dado momento já não sabemos a quem imputar responsabilidades na contabilidade dos nossos erros ou excessos. Pior ainda, é quando as máscaras assumem o comando da existência e nos roubam todas as gramas de autenticidade que ainda nos resta. Pessoa, no fundo, foi esse sacana benigno e hiper-criativo - que não só vivia cheio de insónia, inquietude e desassossego - como nos passou tudo isso em doses tonelares. Pergunto-me se ao tempo existissem Lexotans Pessoa teria sido tão criativo... E a resposta é Não!!!