terça-feira

Alexandre Soljenitsine: morreu uma trave-mestra do humanismo universal

Tenho para mim que todo o grande escritor tem de ser necessáriamente também um pensador de excepção. Se a isso se somar um desígnio, uma luta por um ideal grandioso, uma luta do bem contra o mal - e a dimensão e as circunstâncias históricas coadjuvarem - tanto melhor. Alexandre Soljenitsine/AS foi um desses expoentes da cultura e da literatura russa soviética de dimensão mundial. Ao desnudar a lógica do Gulag - que ilustrou a minha memória de adolescente - AS contribuíu para descrever a vil natureza do regime concentracionário de Stalin - que tinha como método afastar todos aqueles que se opunham à sua liderança e conheceram as agruras dos Campos de Concentração. Creio mesmo que Hitler ao pé de Jose Stalin seria um menino do coro em matéria de maldade e de grande criminalidade de Estado.
Soljenitsine descreveu a forma como os delitos de opinião eram tratados, i.é, como meros criminosos e presos políticos. Infelizmente, no séc. XXI o camarada Fidel Castro (e o seu regime sustentado pelo seu irmão, um idiota incapaz) ainda adopta métodos semelhantes, ainda que o faça de modo mais brando, mas o princípio é o mesmo: a discordância de ideias é automáticamente considerada como um crime, um delito de opinião, por isso tem de ser pago com a prisão e, não raro, com a própria vida. Por isso é que hoje milhões de cubanos aguardam ansiosamente a morte do velho barbudo, o lagarto de Havana, para tentar a felicidade num regime de democracia pluralista que nunca existiu na ilha. O que seria um bom tema para um próximo romance de Saramago, um grande adepto e amigo de Castro...
Todas as ditaduras são, por natura, viveiros de homens como Alexandre Soljenitsine, denunciando as milhões de pessoas que foram presas indevidamente (crime que hoje a China do séc. XXI e dos Jogos Olímpicos também comete, ainda por cima com a ajuda da Yahoo - norte-americana - quando esta decide "passar" a identidade dos IPs dos seus clientes à polícia política chinesa sob justificação de que aqueles atentam contra a integridade do Estado chinês que oferece um mercado colossal para aquele empresa de produtos informáticos) - além das milhares de perseguições feitas aos opositores do statu quo.
AS denunciou toda essa escravatura humana moderna cultivada e aperfeiçoada sob a canga e os carrascos de Stalin, que hoje é sinónimo de Sibéria, Campos de Concentração, maldade, assassínios em massa, tortura, silenciamento e, pasme-se!!! - até motivo de inspiração ideológica, política e doutrinária para o PCP - que é, consabidamente, um dos partidos políticos mais retrógrados e fossilizados do mundo, porventura uma pesada herança deixada pelo velho Cunhal que em 74 pretendia transformar Portugal em mais um satélite de Moscovo.
Aqui Mário Soares teve, porventura, um papel crucial na história política do séc. XX - ao opôr-se determinantemente contra esse crime político (de alinhamento ao Leste com sede em Moscovo), fazendo com que Portugal encetasse uma ligação político-militar com os EUA - que se veio a revelar fundamental para a garantia da nossa Liberdade e Democracia emergentes, ainda que o sr. Henry Albert Kissinger então falhasse todas as suas previsões relativamente às capacidades políticas mobilizadoras de Mário Soares. O mesmo que hoje critica Cavaco Silva, 34 anos depois dessas cegadas do Verão quente...
Contudo, o balanço de Soljenitsine é dantesco: estima-se que morreram nesses gulags mais pessoas do que hoje será a população somada de Espanha e Portugal. Cerca de 57 milhões de pessoas, um balanço trágico.
Daí o respeito que nos merece este homem, alguém que arriscou a sua própria vida para denunciar um sistema velhaco, dinamizado pelo crime, pelo ódio e pela maldade, instilador da bufaria e da delação, animado pelo método da purga e do assassínio em massa como forma de afastar inimigos internos ou adversários suspeitos de não colaborarem.
Nesta conformidade Soljenitsine foi um arauto da Liberdade que ajudou a minar o totalitarismo e a restaurar a esperança em milhares de russos soviéticos, que viveram, directa ou indirectamente, todos esses horrosos concentracionários que o PCP nunca menciona entre nós. Talvez por vergonha, e ainda tem a lata, através de um idiota parlamentar de serviço (um tal bernardino), de referenciar a Coreia do Norte como um símbolo de democracia.
Soljenitsine deixa, pois, um legado impressionante, amante dos valores da Liberdade, do Humanismo activo, se necessário fôr do apego à dissidência (para os EUA) como forma de, no exílio, melhor combater o "monstro" gerado pela doença do comunismo soviético - que escravizou a metade duma Europa quando a outra foi libertada do jugo nazista, em pleno séc. XX.
O destino que somos capazes de conferir hoje à liberdade, a elevação espiritual do homem, a luta entre o Ocidente e o Oriente, a Guerra Fria, o bem e o mal, o valor da dissidência, a razão e a lógica construtoras de boas sociedades contra o absurdo criminoso, os ideais verdadeiramente humanistas e personalistas distintos da malvadez do comunismo soviético a que o PCP chamou pomposamente de "desvio".. - tudo isso são os valores que Alexandre Soljenitsine nos lega, deixando a Humanidade e o mundo mais ricos, mais atentos e vigilantes quanto às novas formas de ditadura.
Que, volta e meia, avultam com o assassinato de jornalistas realizado alegadamente a coberto do actual regime do sr. Putine, esse novo herdeiro dos czares, e que, tão curiosa quanto paradoxalmente, foi admirado pelo escritor que agora partiu.
Afinal, parece que nem os grandes escritores estão imunes aos pecadilhos da existência.
E segundo consta nem Jesus Cristo foi um homem perfeito...