quarta-feira

O trágico problema do poeta Manuel Alegre: olbos, hybris, ate e nemesis

Quando ontem se via no Teatro da Trindade - de forma inédita - socialistas cumpliciados com o BE numa sessão de unidade contra o governo em funções, percebe-se que algo está a mudar nos comportamentos dos agentes políticos. Mas se a novidade da iniciativa era um facto, novas soluções políticas também deveriam ter sido propostas por parte dos proponentes do rendez-Vous, desde logo por parte do poeta-Alegre - que por lá leu um texto mediano sobre aquilo que todos já sabemos: existem problemas de igualdade em Portugal.
O diagnóstico é conhecido, formas novas e eficazes de combater esse flagelo de modo sustentável é que não se vislumbraram por parte de todos aqueles players: Alegre, Louçã, Roseta, Ana benavente, paulo Lucena, o empresário dos moldes de Leiria - Henrique Neto. Todos estes homens, diga-se em abono da verdade, mais do que preocupados em combater a pobreza, estão irmanados num objectivo: destruir politicamente Sócrates. A intensidade dessa vontade é tão igual no poeta Alegre como no líder do BE, Louçã. Isso já ficou patente centenas de vezes.
Mas importa varrer a realidade com mais profundidade para ver nela algo mais e encontrar as razões da tragédia de Manuel Alegre e da sua forma de pensar e de fazer "política" em Portugal.
Vejamos: se constatamos, e bem, que em Portugal existem cerca de 2 milhões de pobres, e muitos deles querem continuar a sê-lo porque esse é o seu modo de vida, também há situações de sociedades em que o sucesso materialista pode conduzir ao fracasso. Os gregos da Antiguidade ouviram dos dramaturgos da época esse alerta para os perigos ocultos que os esperavam pela frente, ou seja, de que ao sucesso se sucedia o fracasso. Tal alerta radicava na noção de que somos mais vulneráveis quando nos sentimos fortes.
Esta conceptualização sobre o desenvolvimento das sociedades conduz-nos a uma formulação mais sofistada que aqui sinalizamos, já que à luz dos gregos se identificaram quatro conceitos a reter:
1. Olbos - (prosperidade);
2. Hybris - (presunção);
3. Ate - (loucura);
4. e Nemesis (vingança divina).
Nesta cadeia a prosperidade conduz à presunção, a presunão inspira a loucura e a loucura convida à vingança divina. Mas é óbvio que o conhecimento de Alegre não vai tão longe, ele apenas sabe fazer uns poemas e lê-los publicamente, e, agora, como se vê também já se está a especializar na sua veia de demagogo populista de comícios ao ar livre cujo figurino copia alternadamente da extrema-esquerda (pela mão de Louçã) e pela via da direita de Paulinhos das "Bombas" do CDS, que vai a Bajadoz vender o seu "peixe político", quiça na esperança de que assim até os espanhois (também) possam votar nele...
Mas regressemos ao problema da vaca fria, i.é, a Manuel Alegre. Que hoje procura representar um palco cujo modelo é personificado pela figura podereosa do herói mítico, o tal que ajudou a matar o velho ditador, António de Oliveira Salazar. Mesmo que não o sublinhe, Alegre traz esta noção constantemente no seu espírito e isso representa-se nas suas pequenas acções políticas. E uma vez cego, pela invencibilidade agora ao lado do BE, numa vitória imaginária e pírrica, Alegre procura desencadear certas forças sociais que causem grande sofrimento a Sócrates e àquele PS que se modernizou, é mais jovem e não deixou grande espaço para Alegre brilhar no seu palco. Há aqui também um problema geracional evidente que o poeta ainda não conseguiu digerir.
É, pois, neste cenário que Alegre procura agir: como um deus que não presta contas a ninguém, a não ser a si mesmo e aos seus novos amiguinhos do BE, porque ambos são animados pela inveja revelando quem, na realidade, são.
Para concluir, diria que Alegre assume nesta pequena cruzada que encetou contra o PS e, sobretudo, contra o PM, Sócrates, um forte sentido de ironia paradoxal. Ou seja, o poeta é animado e seduzido mas também acaba por ser traído pela sua própria sede de grandeza.
Na ânsia de satisfazer as suas potencialidades, que ficaram em suspenso com os votinhos que granjeou nas últimas eleições presidenciais (para desfeita de Mário Soares) Alegre acaba, a prazo, por ser destruído pelos seus próprios desejos mais profundos. Que passam, como já assinalámos, por destruir políticamente Sócrates, e não - verdadeiramente - combater a pobreza em Portugal. Quem vive do mecenato político há décadas está-se a marimbar para os pobres em Portugal. Este é o pretexto, o alibi que impele à acção (coordenada) com o BE, e aqui ambos estão irmanados pelo mesmo objectivo. E é isto que é lamentável e censurável na conduta pessoal e política do poeta.
Mesmo aquilo que Alegre pensa ser um sucesso, a toque de carburante comicieiro do BE, representa verdadeiramente um perigo. Em vez de Alegre guardar essa ocasião - como histórico do PS - para combater a pobreza ao lado e dentro do PS - procura fazê-lo "deitando-se" com o inimigo - só porque nutre uma inimizade pessoal pelo PM.
Isto revela bem a mesquinhez que o anima, as pulsões que motivam a sua acção política revelando, na prática, que o poeta não procura a verdadeira prosperidade (olbos) e apenas está centrado na sua presunção (hybris) que nele degenerou na loucura (ate) que hoje reflecte bem o espírito das suas atitudes - convergentes com uma espécie de vingança (nemesis) que ele procura infligir a Sócrates.
Tudo isto revela uma outra coisa: o coração do poeta-Alegre deveria estar bem mais à esquerda do que na realidade está. Uma esquerda extremada. Um coração (já) fora da caixa toráxica...