sexta-feira

Singela evocação ao Armando Rafael, uma semana após a sua "partida". O artigo de António Vitorino...

O Armando Rafael, especialista em assuntos africanos e timorenses (e jornalista do DN), no seu melhor estilo, a envolver o mundo...

"Especialmente hoje, o Armando devia estar aqui! Foi sempre tão atento aos assuntos de Timor que é uma injustiça, o Ramos Horta vir à Câmara e o Armando não estar cá para o receber…"

  • Palavras bonitas da Isabel que conheceu bem o Armando e foi amiga da família. Por isso lhe agradeço este breve testemunho que aqui autorizadamente reproduzo. Dá vontade de perguntar se foi mesmo verdade que...
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ENREDOS António Vitorino

jurista

A democracia tem a ver com a substância das decisões tanto quanto com os procedimentos da tomada de decisões.

Entre nós a tendência é de nos centrarmos nos procedimentos e subavaliarmos o conteúdo das decisões.

A decisão sobre o novo aeroporto não escapa a esta regra.

Em Portugal não existe a tradição, como existe, por exemplo, no Reino Unido, de constituição de comissões independentes de avaliação dos factos e de identificação das opções para resolver um problema ou tomar uma decisão. A ausência dessa tradição pode explicar-se pela dificuldade de constituir comissões que sejam reconhecidamente independentes. Mas essa dificuldade não dispensa a necessidade de alicerçar a legitimidade de uma decisão numa avaliação dos factos susceptível de ser aceite por todos os decisores políticos.

No mundo moderno há que reconhecer que existe uma autonomia própria, uma margem de liberdade de decisão da esfera política para além da evidência dos factos. Mas nenhuma decisão política pode prescindir de se estribar numa valoração da realidade fáctica sobre que incide e em relação à qual vai agir.

Vem isto a propósito da necessidade de se definirem critérios norteadores da decisão sobre o novo aeroporto.

Neste arrastado processo há pelo menos um adquirido: o debate travado até ao momento afastou da primeira linha da decisão aqueles que entendiam que era desnecessário enveredar pela construção de um novo aeroporto internacional em Lisboa. Se esse silêncio é táctico ou consolidado é o que os próximos meses permitirão esclarecer, mas parece poder dizer-se que a necessidade de uma nova infra-estrutura aeroportuária é um critério adquirido que legitima a decisão que o Governo terá que tomar no mês de Janeiro.

A explicitação dos demais critérios da decisão política não pode naturalmente ser feita como se se tratasse de uma espécie de "caderno de encargos" de uma empreitada de obra pública, onde a cada item se atribuísse à partida uma ponderação na decisão final. Mas não me parece impossível explicitar alguns princípios que devem nortear essa decisão política, de modo a que os estudos técnicos respondam, no seu plano, às questões que devem presidir à escolha do tipo de aeroporto e à opção pela sua localização.

Alguns exemplos apenas.

O aeroporto tem de se basear num critério de valência económica nacional ou regional? A resposta a esta questão tem de ser encontrada numa análise dos fluxos de tráfego internos e internacionais, na sua inserção no espaço próximo da Península Ibérica e na mais-valia que ele poderá apresentar para conexões intercontinentais que têm um peso relevante na rentabilidade da própria operadora aérea nacional.

Um segundo critério - ainda relacionado com a localização - tem a ver com os "grupos- -alvo" do aeroporto. Deveremos dar prevalência a um critério de localização que privilegie o acesso ao aeroporto dos passageiros nacionais ou haverá que optimizar com a localização a sua utilização pelos turistas que nos procuram e para quem a localização do aeroporto é relevante em termos de acesso facilitado aos seus destinos finais?

A escolha da localização é também relevante para efeitos de custos. Nestes haverá que incluir não apenas os custos directos da infra-estrutura aeroportuária mas também os indirectos, designadamente quanto às acessibilidades. Mas neste ponto a comparação tem de se basear em... dados comparáveis. Importa por isso que seja possível distinguir com clareza o que é o custo comum invariável das acessibilidades e o que são os custos adicionais (designadamente na ligação à rede do TGV) que cada uma das localizações comporta. Por isso a RAVE foi imprudente ao criar a sensação de que o aeroporto deveria subordinar-se ao traçado consolidado do TGV (questão que já clarificou não ser assim) como foi imprudente o estudo da CIP ao imputar à sua opção de aeroporto poupanças (reconhecidamente já mal calculadas) imputáveis às acessibilidades ferroviárias e de travessia do Tejo...

Daí que seja agora ainda maior a expectativa sobre o estudo do LNEC..."

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Obs: Publique-se com carácter de urgência e envie-se xerox ao ministro Mário Lino (que espero já tenha saído do "deserto" da Cova da Piedade) - porque esta talvez seja a muleta política que lhe falta para consubstanciar boa parte da decisão (que ele não toma).