sexta-feira

Francisco Sarsfield Cabral na Visão e no Público.

Nota prévia: tive agora acesso aos artigos do Francisco que desde que saíu do dn está a pensar e a escrever ainda melhor. Nem de propósito... Fala-nos do que melhor sabe: a economia surge-nos aqui - a duas velocidades (num contexto mais nacional neste primeiro artigo, num contexto mais internacional no segundo); a concorrência parece ser a chave para mais competitividade. Veremos onde fica o papel da regulação (paternalista) do Estado. Valerá a pena meditar nestes dois contextos, frente e verso do mesmo mundo: o nosso.
Mudar mentalidades (in Visão)
Duas OPAs dominaram a vida económica portuguesa durante mais de um ano. Tempo excessivo, sobretudo na lançada pelo BCP sobre o BPI. Os problemas de concorrência suscitados pela compra de um banco por outro são mais conhecidos e simples do que a aquisição de uma empresa de telecomunicações, a PT, por um grupo económico, a Sonae. Aqui, havia maior complexidade, até porque as tecnologias evoluem com rapidez.
Durante os longos meses de incerteza quanto ao desfecho destas OPAs, as empresas envolvidas ficaram limitadas na sua capacidade de gestão. No entanto, mesmo tendo falhado ambas as tentativas de compra, estas tiveram efeitos positivos.
Aumentará a concorrência nas telecomunicações com a separação entre a rede de telefone fixo e a rede de cabo – separação que a PT rejeitava, antes da OPA. É certo que a coincidência da maioria do capital accionista entre a PT (rede fixa) e a PTM (cabo) não garante uma verdadeira competição. Mas cabe aos reguladores actuar em defesa do consumidor. Depois, o anúncio da OPA levou a que a PT passasse de uma gestão acomodada e complacente a um estilo mais enérgico e atento ao mercado.
O BPI, alvo da outra OPA, fez também um esforço de gestão, melhorando os seus resultados. E prometeu dividendos futuros que vão obrigar o banco a prosseguir a subida da sua produtividade.
A economia portuguesa precisa de mais concorrência. Muita gente torceu o nariz ao lançamento de OPAs hostis, como se de má educação se tratasse. Estamos habituados a um ambiente empresarial pouco competitivo. Um ambiente marcado pelo paternalismo estatal, por um lado, e pelas relações próximas entre gestores e empresários, próprias de um meio pequeno como o nosso. Ora falta a Portugal um capitalismo mais moderno e agressivo, mais ligado à bolsa, mais “anglo-saxónico”, em suma.
Diz-se que uma excessiva pressão dos accionistas sobre os gestores para obter valorizações bolsistas pode levar a uma gestão empresarial obcecada pelo curto prazo. É verdade, esse risco existe. Mas pesam mais as vantagens de haver alguma pressão do mercado para evitar que os gestores adormeçam. É que, entre nós, em muitos sectores a concorrência ainda é mais teórica do que real. Não por acaso, só há quatro anos apareceu a Autoridade da Concorrência.
O empresário português típico sempre procurou abrigar-se da concorrência, preferindo o Estado ao mercado. O célebre condicionamento industrial desapareceu, mas o seu espírito ainda anda por aí. Lembremos o recente clamor apelando à defesa dos centros nacionais de decisão empresarial, ameaçados pela compra por estrangeiros.
Protegidas da concorrência de forma mais ou menos disfarçada, as empresas amolecem, tornando-se pouco eficientes – logo, mais vulneráveis a compras hostis. Só um ambiente de intensa e saudável competição favorece o fortalecimento das empresas, ao mesmo tempo que beneficia os consumidores.
Mais importante ainda: só a concorrência aberta, exigente em matéria de gestão, de inovação, de produtividade, proporcionará a tal mudança de mentalidades de que tanto se fala – mas não se explica como se obtém. Os portugueses não são menos capazes do que os outros: se virem os seus competidores fazerem diferente e ganharem, irão tentar fazer como eles.
Francisco Sarsfield Cabral (O regresso do Francisco ao Público)
Duas crises inéditas
Depois de um intervalo de cinco anos, volto com satisfação ao convívio regular com os leitores do PÚBLICO. Infelizmente, nestes cinco anos nem Portugal nem o mundo evoluíram para melhor.
Portugal foi, em 2001, o primeiro país do euro a violar o Pacto de Estabilidade. Ainda hoje o estamos a violar, mas o actual governo encarou a sério o problema e já conseguiu resultados apreciáveis.
Na oposição, o PS denunciava a “obsessão do défice”. Agora, e contrariando muito do que dissera antes, o governo socialista tornou prioritário pôr ordem nas contas do Estado. Ainda bem.
A premência de reduzir o défice orçamental impulsionou o lançamento de algumas reformas, facilitadas pela maioria absoluta do PS no Parlamento. É certo que em áreas decisivas – justiça, arrendamento, etc. – pouco ou nada se avançou. Mesmo assim, Sócrates já fez mais do que os seus antecessores, o que traz problemas à oposição de direita.
Falta, claro, o mais difícil, quando as eleições começam a desenhar-se no horizonte. Por isso, a prova real do reformismo do governo será tirada daqui para diante, sobretudo quanto ao grau de concretização das mudanças na Administração Pública.
A indisciplina das finanças públicas é doença nacional antiga. Quase nunca as contas do Estado português estiveram equilibradas, em democracia. Mas o actual problema orçamental liga-se com a grave crise económica em que o país mergulhou. Essa, sim, uma crise de características novas.
Não se trata apenas de uma crise passageira, conjuntural. É bem mais profunda, espelhando a dificuldade de Portugal se afirmar num mundo cada vez mais globalizado.
O défice das finanças públicas tem impedido politicas anti-cíclicas. Isto é, não permite que o Estado alargue os cordões à bolsa para compensar o fraco crescimento da economia. Para tal, teria de os ter apertado no tempo das vacas gordas, o que não aconteceu. Ao mesmo tempo, a nossa economia levou em cheio com o choque da globalização. E já não pode recorrer à bengala da desvalorização da moeda.
Com a entrada da China no mercado mundial, em particular nos têxteis, e o alargamento a Leste da União Europeia, a economia portuguesa passou a enfrentar uma concorrência para a qual não estava preparada. Por isso temos o crescimento mais fraco dos 27 países da União. E nos estamos a afastar da média de rendimento da UE, depois de nos havermos dela aproximado.
Ora isso não é coisa que se resolva de um ano para o outro. É toda uma estrutura produtiva e exportadora demasiado assente na mão-de-obra barata, de fraca produtividade, que tem de mudar.
Uma tarefa para gerações. O risco está em que, obcecados pelo curto prazo, os políticos desvalorizem a natureza desta crise estrutural, alimentando expectativas impossíveis de concretizar – por exemplo, quanto ao emprego. E com isso dificultem medidas de fundo. Ou, então, que sigam a linha proteccionista francesa, dando aos portugueses uma falsa sensação de segurança contra a concorrência.
Se na situação nacional não há motivos para optimismos, a internacional piorou muito nos últimos cinco anos. A única super-potência está hoje sem confiança nem rumo. Aí temos uma outra crise, também inédita. E extremamente perigosa.
É verdade que, depois do 11 de Setembro, uma tragédia dessa magnitude não se repetiu, nem o terrorismo logrou qualquer acção significativa em solo americano. Mas os Estados Unidos perderam capacidade de liderança mundial. A desastrada invasão do Iraque pôs fim às fantasias neo-conservadoras, que queriam impor a democracia pela força militar.
Entretanto, foram abalados os laços de confiança entre os EUA e os aliados. Os americanos perderam prestígio no mundo, em particular no mundo islâmico. E enfraqueceram o direito e as organizações internacionais, numa altura em que a globalização exige um enquadramento politico mundial, de modo a evitar que a economia prevaleça sobre a democracia.
Pior, os EUA perderam força moral, ao violarem normas elementares de respeito pelos direitos humanos. Por exemplo, ao aceitarem a tortura. Essa foi a maior vitória dos terroristas.
Há quem ponha grandes esperanças num futuro ocupante democrata da Casa Branca. Não partilho desse optimismo, face à ausência de alternativas políticas consistentes da parte dos democratas, que agora dispõem de maioria no Congresso. Oxalá me engane.
Francisco Sarsfield Cabral Jornalista