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As missões (militares) de Portugal no quadro da política externa

Bósnia: missão cumprida Nuno Severiano Teixeira
Ministro da Defesa Nacional
Em Janeiro de 1996, partiu o primeiro destacamento militar português para a Bósnia-Herzegovina. Foi integrar a IFOR, a missão organizada pela Aliança Atlântica para restaurar a paz e a segurança no país.
Essa data tem um significado especial.
Desde logo, porque marca o regresso das Forças Armadas Portuguesas a um teatro de conflito europeu, pela primeira vez desde a Grande Guerra de 1914-1918, com uma força composta por mais de novecentos soldados, bem preparados e altamente motivados.
A presença portuguesa na Bósnia-Herzegovina significa que a defesa nacional é, hoje, inseparável da defesa europeia e que as fronteiras da segurança portuguesa são as fronteiras da segurança europeia.
Por outro lado, porque marca o início de um novo ciclo nas políticas externa e de defesa, em que as Forças Armadas vão participar em sucessivas missões internacionais dos Balcãs a Timor-Leste, do Afeganistão ao Congo e ao Líbano.
No seu conjunto, Portugal mobilizou para missões de paz mais de vinte mil militares, em cenários de elevado risco na Ásia, no Médio Oriente e em África.
A participação nas missões de paz das Nações Unidas, da Aliança Atlântica e da União Europeia consolidou a credibilidade externa do país e o estatuto de Portugal como um Estado responsável e produtor de segurança internacional.
Finalmente, porque marca o princípio da paz na Bósnia-Herzegovina, um país devastado, durante quatro anos, por uma guerra fratricida que opôs as comunidades sérvia, croata e muçulmana numa guerra civil cruel, que causou mais de cem mil mortos e cerca um milhão de refugiados.
As guerras na Jugoslávia surpreenderam os responsáveis ocidentais. O momento de euforia que marcou o fim da Guerra Fria e a vitória da democracia coincidiu, paradoxalmente, com o regresso da guerra à Europa.
A UE não estava preparada para responder à escalada dos conflitos balcânicos, como se tornou evidente durante o longo período de destruição que antecedeu a intervenção da NATO.
De certa forma, a constatação dos riscos estratégicos e morais dessa incapacidade conduziu à institucionalização da Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD), a par de uma participação cada vez mais forte e numerosa dos Estados da UE nas novas missões de paz.
A presença internacional na Bósnia-Herzegovina é, sem dúvida, um caso de sucesso. As hostilidades e o terror cessaram, estabeleceram-se instituições políticas representativas, a normalidade voltou à vida das populações.
A UE tornou-se factor fundamental para a estabilização da Bósnia-Herzegovina, não só através da missão militar, mas também no apoio ao desenvolvimento económico e à construção do Estado de direito democrático.
Em Janeiro de 1996, ninguém previa que a missão internacional durasse mais de dez anos. A ausência de instituições legítimas, a dificuldade de organizar forças de segurança locais e a própria memória dos conflitos tornaram inevitável o prolongamento da presença militar.
Onde não existe um Estado consolidado, a permanência de forças militares internacionais é indispensável para evitar o regresso da violência. Esta é uma lição aprendida na Bósnia-Herzegovina e que temos de aplicar no Kosovo.
As Forças Armadas Portuguesas estiveram na Bósnia-Herzegovina durante onze anos, integradas na missões da Aliança Atlântica e, desde 2004, naquela que foi a maior missão da União Europeia no quadro da PESD.
Mais de oito mil militares serviram na Bósnia-Herzegovina. No decurso dessa missão, morreram cinco ao serviço de Portugal, aos quais prestamos uma sentida homenagem.
No desempenho das suas funções, os soldados portugueses demonstraram o seu alto profissionalismo, integrados em forças internacionais compostas pelos exércitos mais modernos e mais avançados.
Os nossos militares souberam também demonstrar as suas qualidades humanas. É a "estratégia do sorriso", como lhe chamou um general português, uma marca distintiva das forças portuguesas nas novas missões de paz. Essa capacidade para criar uma relação de proximidade, visível nos projectos desenvolvidos junto das comunidades locais, representa uma vantagem comparativa, decisiva nos processos de reconstrução do Estado.
O fim da missão militar não significa o fim do empenhamento político na Bósnia-Herzegovina. Portugal vai agora contribuir para a estabilização deste país através de duas equipas de ligação e observação (LOT), interface entre as forças da União Europeia, as autoridades locais e as populações.
A excelência da prestação dos militares portugueses na Bósnia-Herzegovina e noutros teatros de operações, para além do motivo de orgulho que suscita, constitui factor acrescido de responsabilidade para a defesa nacional e para as Forças Armadas. Os resultados obtidos criaram uma expectativa para o futuro que não podemos defraudar.
A missão na Bósnia-Herzegovina marcou uma viragem fundamental e está cumprida. O caminho passa, agora, por cumprir outras missões de paz. Para fortalecer o prestígio da instituição militar e consolidar a posição de Portugal no mundo.