Inquérito oficial ao vídeo sobre a morte de Saddam - por Cadi Fernandes -
Dois minutos e 36 segundos de um vídeo pirata retratando a forma degradante como Saddam Hussein foi morto estão a incendiar os ânimos da comunidade sunita, minoritária no Iraque, mas esmagadora na maioria dos países da região. Bagdad já prometeu um inquérito oficial para apurar quem captou as derradeiras imagens com um telemóvel e também quem ia gritando insultos à medida que punham a corda no pescoço do antigo presidente.
O mal já está feito, porém. Basta ir à Internet, ao YouTube (site de partilha de vídeos), para ver que tudo se passou de uma forma muito menos civilizada da que foi apresentada na versão oficial, de 20 segundos, sem som, divulgada no sábado. "Ouça o pescoço a partir", propõe-se aos internautas. Perante carrascos e testemunhas xiitas, o sunita Saddam era torpedeado de insultos, a uns respondendo, a outros não. "Destruíste-nos. Mataste-nos", gritava alguém. E Saddam: "Salvei-vos da miséria e destruí os vossos inimigos, os persas e os americanos." E vozes: "Maldito sejas!" E Saddam: "Malditos sejam!" Depois, quando começa a orar a Alá, ouve-se o característico som das vértebras cervicais a romperem-se. E vozes: "O tirano caiu, maldito seja!"
Tikrit, cidade aberta.
Há ainda outra versão, também obtida por telemóvel, não autorizada, que uma televisão privada iraquiana difundiu logo no sábado. A sequência é de má qualidade, mas já se via Saddam Hussein, inane no chão, com o pescoço desarticulado e envolto numa mortalha branca.
Resta saber quantas pessoas levaram telemóvel e que medidas as autoridades "tomaram ou não" para impedir a multiplicação das filmagens, como, aliás, salientava Paris, ontem, através de um porta-voz. "Lamentável" tudo isto, adiantou.
De Paris, também as palavras de Nicolas Sarkozy, ministro do Interior e candidato da direita às presidenciais de Abril, em artigo de opinião publicado no jornal Le Monde: a morte de Saddam - "um dos maiores criminosos da História", "o ditador que tinha mais sangue nas mãos do que qualquer outra pessoa no mundo" - "foi um erro". "O Iraque ter-se-ia engrandecido não executando aquele que tanto o fez sofrer."
Entende-se porquê. O antigo braço direito de Saddam, Ezzat Ibrahim, já apelou à formação de uma "frente de resistência" para "libertar" o Iraque de americanos, ingleses, "sionistas e persas" (israelitas e iranianos). "Juro prosseguir a jihad sagrada, acentuá-la e prolongá-la até à libertação total da nossa pátria."
Menos incendiário, o francês Emmanuel Ludot, um dos advogados de Saddam, pediu à ONU a criação de uma comissão de inquérito às condições que rodearam a execução.
E, após três dias de isolamento, os acessos a Tikrit, cidade de Saddam Hussein, foram reabertos à circulação automóvel, ontem, permitindo que correligionários do antigo presidente, vindos de vários pontos do país, lhe prestem o último tributo.
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Obs: Subscrevemos esta denúncia acerca da forma foi julgado e enforcado o ditador iraquiano. Afinal, o Iraque está ocupado, logo diminuído na sua soberania jurídica e jurisdicional. Se não tem um governo, um parlamento e tribunais verdadeiramente independentes melhor seria que fosse um Tribunal Penal Internacional - um sonho da esquerda destinado a substituir as guerras por procesos juduciais e a acusar beligerentes de guerra, que procedesse ao julgamento. Mas não! Ninguém teve a coragem de desagradar a outro vilãozinho da história contemporânea, G.W.Bush - que opera em democracia, mas nem por isso deixa de trazer instabilidade ao mundo. Aquele enforcamento só pode, a prazo, multiplicar o ressentimento no mundo inteiro, e o ressentimento que se saiba, nunca foi fonte de paz ou de bons sentimentos.
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