sexta-feira

Carta aberta à Srª ministra da Educação, Drª Maria de Lurdes Rodrigues

Vejo pela Wiki que o CV da actual ministra da Educação do governo socialista de José Sócrates é impressionante, quer dizer, impressiona. Desde logo, porque é vasto, e também porque se situa na área das humanidades, e não é por ter estudado o papel social dos engenheiros que não deixa de ser uma socióloga. Docente no ISCTE, com agregação, provas de doutoramento, presidente do Conselho Científico, etc, etc. Portanto, é alguém com uma experiência cruzada na vida das organizações.
Ora, é sabido que ao lado deste CV de Maria de Lurdes Rodrigues existe um problema no ministério que dirige, ou melhor, existem dezenas, centenas de problemas (muitos deles crónicos) na 5 de Outubro. E agora, com o alegado abatimento da disciplina de Filosofia - com a extinção do seu exame no Secundário para aceder ao ensino Superior - em cerca de 350 licenciaturas - é algo ainda mais preocupante.
Ou seja, as escolas já deixaram de ter a disciplina no 12º, desde que deixou de ser obrigatória. Terei, teremos percebido bem? E a drª Maria de Lurdes Rodrigues, também terá lido bem? Tanto mais vindo duma pessoa que exerce especiais responsabilidades governativas, tem um curriculo académico e uma experiência profissional na esfera da sociologia, uma ciência e uma disciplina que integra conceitos e conhecimentos vários que, em inúmeros casos, serve de ponte epistemológica para o campo mais puro e aplicado da Filosofia.
Visto a esta luz, e a ser verdade aquele "assassinato" da Filosofia, esta é uma decisão verdadeiramente lamentável e deve ser, logo que possível, reponderada por Sócrates, até porque ela, a Filosofia, se bem orientada poderá ser geradora duma sociedade mais qualificada e adaptável aos novos perfis socioprofissionais do mercado de trabalho europeu que hoje compete em contexto de globalização competitiva. Portanto, com fronteira aberta... Pensar bem, viver melhor... Também deve ser este o mote do próprio PM, que até tem, curiosamente, nome do principal filósofo de Atenas, que morreu em nome (e pela) Verdade.
Perguntar-me-á a srª ministra da Educação: - Mas para que serve a Filosofia? Responder-lhe-ei: deve servir para tanta coisa como a própria Sociologia. Dá para tanto, até para governar, ou desgovernar, consoante o ponto de vista ou o prisma que se adopte por referência aos factos. Uma coisa é certa, a Filosofia é uma ciência de fronteira, ou melhor, ela integra mais do que separa, ela avalia o conjunto da floresta e não as árvores que individualmente lá se situam. Lá crescem, florescem e morrem.
Hoje, a filosofia pode já servir para aconselhamento filosófico. Seja no domínio da ética da sociedade portuguesa - em autarquias, empresas, organizações em geral - prevenindo os malefícios da corrupção, do nepotismo, questionando o sector financeiro na sua ligação à sociedade e ao Estado. Nos hospitais, nas escolas, na própria Administração Pública, nas Universidades - em todas estas organizações se colocam sérios problemas éticos que a Filosofia direccionada, prática bem poderia ajudar a resolver - criando uma sociedade melhor, mais justa e mais livre. Logo, e por extensão, mais competitiva, mais inclusiva, mais humana.
E também, naturalmente, no domínio micro, i.é, na esfera das pessoas e dos seus problemas pessoais/existenciais, posto que cada pessoa é uma ilha (de problemas), e nem sempre o médico (ou o psicólogo) conseguem ajudar. Aqui funcionaria o aconselhamento filosófico a pessoas, de forma individual. E se pensarmos melhor, quiça de mão dada com Maria de Lurdes Rodrigues, que até deve ser uma mulher bastante sensível a estas questões e não apenas à culinária ou à gastronomia, estou certo que ela também convirgiria para este simples diagnóstico - que identifica na Filosofia uma tarefa de aconselhamento pessoal- ainda que em coordenação com a Medicina, a Gestão, a Psicologia, etc - que, a médio e longo prazos, se reflectiam numa sociedade de pessoas mais qualificadas, mais saudáveis e menos conflituosas, com melhores performances socioprofissionais, enfim, com mais "activos" para partilhar com a sociedade - que os reclama.
Dito isto, fica assente que a Filosofia não serve apenas para o ramo educacional, ou de animação cultural ou para bibliotecário, ela serve também para aquelas funções de aconselhamento ético - pessoal e institucional -, desde que as empresas, o Estado e as organizações em geral possam também dar o seu contributo neste trabalho de articulação de saberes e de ciências. E dar o seu contributo não é pedir ao ministério da Educação - na 5 de Outubro - que seja o primeiro actor a dar a estocada final numa ciência que, afinal, é das mais puras, lógicas e integradoras que existe.
Talvez não seja por acaso que quase todos os grandes filósofos da Humanidade também foram matemáticos. E em Portugal, até se dá o caso de um desses "filósofos" (não sei se "grande") até teve quase para ser presidente da autarquia na Capital. Hoje, constata-se que o deveria ter sido, v.q., qualquer um dos candidatos à corrida seria melhor do que a nódoa de político lá deixado por sLopes - depois apadrinhado por MMendes - apesar d'hoje ser um órfão de Lisboa, dado que já ninguém (nem mesmo ele próprio) acredita na regeneração da Capital sob a actual direcção.
Talvez não fosse pedir muito à drª Maria Lurdes Rodrigues, mormente porque estamos no Natal, que o Estado, o ministério que dirige e até ela própria - v.q., que é uma docente na área da sociologia, que ponderasse nestes aspectos e tivesse a imaginação sociológica de pensar que não é porque eliminam uma dada disciplina do Secundário que os problemas por ela suscitados e sistematizados desaparecem. As boas questões/enunciados são, à partida, quadros de resposta, e isto é vital para um político que vive da (e para) a comunicação de ideias.
O que quero aqui dizer é que não é pelo facto de virarmos costas ao "touro" - visto na filosofia oriental como algo ao mesmo tempo sagrado, misterioso e problemático - que o touro, ou seja, os problemas na educação, desaparecem. Os problemas sociais e educacionais estão, e tenderão a reforçar-se e a multiplicar-se se esta alegada decisão for efectivamente tomada na sociedade portuguesa.
  • Dedico este texto ao meu amigo e "grande mestre" (apesar de detestar essa história dos discípulos, que não tinha, de facto) - que foi Agostinho da Silva. Além dum grande pensador era ainda um Homem bom (e um grande e universal português), condição rara nos talentos desta natureza. Que ou são "bichos-do-mato com a mania que são génios, ou arrogantes insuportáveis que não são nada, mas copiam muito. Infelizmente, também conheço alguns... Lamentavelmente, a universidade está repleta desta gente. Alguns até vão estudar para padres e terminam nos conselhos directivos das Universidades, posto que as suas motivações e objectivos eram, efectivamente, muito outros. Uns simulam, porque querem passar por aquilo que não são - em importância e em status; outros, dissimulam porque se querem esconder daquilo que realmente são. Se alguém quiser estudar a condição humana, máxime no seu pior - mergulhe numa universidade e estude a intriga, a sacanagem, a falta de qualidade humana, intelectual, científica que por lá existe. Já para não falar na imaginação sociológica, de que são tristemente falhos. Infelizmente, a universidade actual em Portugal (com raras excepções) é um antro de malfeitores cuja única preocupação é manterem os lugares/privilégios próprios e os daqueles que consigo se coligaram para os atingir. É triste dizer isto, mas tem de ser dito. O abatimento da Filosofia no Secundário, estou certo, agravará ainda mais esta tendência a médio prazo. A questão hoje coloca-se com uma maior acuidade porque está em curso a Reforma do Ensino Superior, ontem apresentada no Parlamento, e não será nada fácil ao governo lidar com este "alguidar cheio de alacraus" que é a academia lusa. É uma máfia, mas envernizada, distinguindo-se da verdade porque só não mata ou manda matar - embora utilize a paleta de cores do arco íris quando dialoga e negoceia com o Estado através da tutela. E até se dá o caso curioso em Portugal de alguns ex-ministros de salazar asseverarem ministros legítimos da República em pleno directo de tv só porque o Estado os dispensou das corporações que (man)tinham e comandavam dentro do próprio Estado. Terminados esse privilégios, os ex-salazaristas resolveram soltar os cães e começar a morder.. É sempre assim. Quem não os conheça...