sábado

Teste de solidariedade

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António Vitorino
Jurista
Nesta semana sete chefes de Governo da União Europeia escreveram à presidência finlandesa uma carta sobre a política de imigração da União. Os signatários têm em comum liderarem os países da Europa do Sul: Espanha, França, Malta, Itália, Chipre, Grécia e Portugal. A razão de ser desta iniciativa conjunta e marcadamente regional decorre, em primeiro lugar, da crescente pressão migratória que atinge com particular acuidade Espanha, Malta e Itália. Mas, em boa verdade, a exposição geográfica de todos eles coloca-os numa situação de todos sem excepção poderem vir a ser destino destes fluxos, que têm origem no Norte de África ou mesmo na África subsariana. Poderíamos pensar que o que motiva esta iniciativa seria apenas uma solidariedade regional, o que por si só já não representaria pouco.
Mas, na realidade, acresce ao problema comum da gestão dos fluxos migratórios a consciência de que esta pressão crescente exprime não apenas uma realidade social que importa gerir, mas, sobretudo, traduz-se quotidianamente emm na E pungentes dramas humanos que irrompem pelas nossas casas nos telejornais como o rosto do desespero daqueles que tudo arriscam para poderem ter a oportunidade de entrar na europa ainda que na vulnerável situação de ilegais. Ninguém tem a certeza sobre o número de imigrantes ilegais que existem hoje nos países europeus, embora se possa fazer uma estimativa. Mas a cifra verdadeiramente tenebrosa, em relação à qual ninguém se atreve sequer a dar uma estimativa, diz respeito ao número de mortos que anualmente o Mediterrâneo e o Atlântico sepultam...
Os signatários da carta fazem uma constatação da mais elementar evidência: a dimensão do problema e a tendência crescente do fenómeno há muito ultrapassaram a capacidade de resposta nacional. Nesta linha de pensamento, o Presidente da República, na sua recente viagem a Espanha, colocou a ênfase na dimensão europeia do problema. O que nos coloca claramente perante a necessidade de encontrar respostas comuns no plano da União Europeia. Neste quadro, a política de imigração releva de um princípio de solidariedade europeia, que deve responsabilizar não apenas os "países da linha da frente", ou seja, aqueles que, por razões do seu posicionamento geográfico, são os primeiros a acolher esses fluxos migratórios, mas antes o conjunto dos países da União Europeia. Se este princípio de solidariedade parece inquestionável, uma questão parece impor-se: o que levou então os líderes destes sete países a escreverem a tal missiva que veio reproduzida na imprensa portuguesa?
A resposta é simples: na prática, os autores, embora não o dizendo expressamente, sentem que os países menos expostos geograficamente não mostram o empenhamento de solidariedade que deles seria de esperar! De facto, o grande obstáculo à definição de uma política europeia de imigração resulta da falta de confiança mútua entre os Estados membros. Essa falta de confiança impede que se logre definir um quadro normativo comum para a imigração legal em termos de admissão, do mesmo modo que inviabiliza a adopção de mecanismos de coordenação das diferentes políticas nacionais de admissão, sabendo-se que num espaço sem fronteiras internas as decisões nacionais têm inevitavelmente repercussões no conjunto e em cada um dos demais países europeus.
O apelo a mais solidariedade na definição da política de imigração não pode deixar de ter uma resposta por parte dos países interpelados. Mas cabe também às sociedades civis dos vários países a responsabilidade de se mobilizarem exigindo respostas claras a um fenómeno social e a um drama humano que constitui uma das marcas definidoras do século XXI.