terça-feira

Os jornalistas não vivem numa ilha...

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... Mas integrados num ambiente de constante evolução e transformação social, apanhados no turbilhão da revolução política cujas raízes remontam às transformações da sociedade e da economia das fases anteriores que, por sua vez, conduz à sociedade emergente. Nem sempre melhor. Mas é aí que se esbatem as diferenças de origem e estatuto social e cultural em democracia. É também aí que o crescimento económico é acelerado, as classes médias alargam-se e o País, no seu conjunto, sofre as pressões liberais, as aspirações de consumo (que arrancaram com o “cavaquismo”), as modas culturais e políticas vindas de todo o mundo ocidental, a par das frustrações vividas por largos estratos da população – que ansiou pelo erradicar de um regime político autoritário de tipo conservador (de Salazar), responsável pelo impasse da guerra colonial – e que depois originou o estado democrático em Portugal.

Ora, o jornalista quando recolhe informação e trata os acontecimentos, não pode alhear-se deste encadeamento de factos e de circunstâncias presentes na história política e social portuguesa. É com esta realidade histórica que os homens da informação têm de lidar quando tratam, do ponto de vista jornalístico, do que se passa nos partidos políticos (livres), nas autarquias (livres), nos parlamentos eleitos (democrática e livremente), enfim, do conjunto de realidades (como a liberdade de associação, de opinião e o mais) que estimulou uma nova mentalidade em Portugal.
Gradualmente, os portugueses habituaram-se às suas virtudes e defeitos, à política democrática e à lógica parlamentar no seio da vida pública. Foi tudo isto que constitui novidade, não só para os jornalistas mas para todos os portugueses. Mas aqueles, pelas especiais responsabilidades de recolherem, tratarem e divulgarem a informação, são chamados a desempenhar um papel cimeiro nas sociedades democráticas. Cabe-lhes evitar que a informação se converta numa mera mercadoria. Em primeiro lugar, impõe-se filtrar a torrente de informações que inundam o mundo, e distinguir aquilo que provém da imprensa das outras fontes, formas e categorias de informação (in working progress) ligadas a interesses económicos organizados, corporações, bases de dados e a todos os sistemas de informação em construção.
Então, qual é o desafio para o jornalista no séc. XXI? Uma resposta possível reside no facto de ele conseguir libertar a informação daqueles fragmentos de mercadoria e conferir-lhe um valor específico. É isto que faz a grandeza do seu ofício, por vezes afrontando poderosos interesses económicos e financeiros (ocultos), mas que estão sempre lá, reclamando o poder e a decisão e os resultados favoráveis de ambos.
Libertar a informação da mercadoria em ordem a conferir-lhe um valor é, pois, um desiderato fundamental na profissão do jornalista. Especialmente, quando o mundo é mais complexo e caótico do que há uma década, e o público também recebe e interpreta essas informações de forma diferente e (mais) limitada.
A sua função, que é mais uma missão, consiste na capacidade de síntese e de explicitação dos factos brutos que se apresentam ao público. Ademais, o jornalista deve estar ciente de uma resultante da tal complexidade: a diversidade cultural – quer no plano do tratamento das informações relativas às relações internacionais, quer das informações geradas no interior das sociedades.
Hoje uma informação de interesse local dá a volta ao mundo em minutos e pode, politicamente, desencadear factores de atracção e de repulsa completamente imprevisíveis que interferem com o funcionamento dos dispositivos económicos e das identidades culturais e religiosas (com públicos distintos) no sistema internacional. Logo, a informação é (ou pode ser) um vector de conflito ou de cooperação.
É para essa sensibilidade que se deve dirigir a capacidade de síntese e a imaginação sociológica do jornalista. Lembremo-nos do conflito israelo-palestiniano que confrontra o Estado de Israel com todo o mundo árabe, não deixando de fora dessa contenda os EUA, a Europa e as américas. Com efeito, todo o mundo olha para aquele secular conflito com lentes não só diferentes como contraditórias, desempenhando a informação um papel cimeiro na forma como cada uma das partes lê a informação disponível sobre aquele conflito regional-globalizado (ou globalizado que se regionalizou).
Por fim, o jornalista do séc. XXI deve munir-se duma competência económica específica de modo a escapar à pressão do peso do dinheiro que se traduz na constante ameaça cuja chantagem (directa ou velada) se pratica sobre a política e a sua própria vida (pessoal e profissional).
Será que este desafio se resolve com mais cultura política e económica da classe?
Eis o estímulo que a reflexão infra me evocou. No fundo, um pensamento bem lembrado, visto que se trata de mais um texto da nossa lavra que tivémos oportunidade de publicar em livro (Em Busca da Globalização Feliz, págs. 165-167) e que agora, mormente pela conjuntura explosiva que se vive no Médio Oriente (as usual), julgamos oportuno republicar.
  • O jornalista do III milénio deverá ser alguém que além da tarimba conferida pela experiência, deve também ser portador duma sólida formação intelectual e cultural: deve ter mundo. E é aí que ele se senta, à coca do turbilhão de informações, que lhes chegam pelos mais variados suportes infotecnológicos à velocidade da lux, que ele depois terá de filtar. Até porque o jornalista, à semelhança do cientista, do empresário ou do político pode, por vezes, decidir da direcção do mundo com a publicação de uma simples notícia que depois se pode converter num ensaio, num livro ou até numa referência mundial que outros seguem em busca dum mundo melhor, em busca da globalização feliz...

  • Dedicamos este texto a todos os bons jornalistas portugueses pelo serviço público que têm assegurado a Portugal.