sexta-feira

O teatro e o regresso da Filosofia pela (des)Ilusão do Mundial

Ao longo de toda a minha vida se fui meia dúzia de vezes ao teatro já foi muito. A maior parte delas era para esperar alguma amiga mais inspiradora cujas ideias e as representações cénicas me faziam voar e sonhar, e voar de novo já com as mãos na realidade e os pés no chão. Pelo menos um.. Era, pois, desse teatro que me alimentava, fora do palco. Ora isto é uma tremenda injustiça, uma heresia, não só para aquelas amigas que vamos fazendo ao longo da vida na representação dos tempos, como também para para o teatro e, acima de tudo, para nós próprios que morremos estúpidos sem nunca ter verdadeiramente conhecido o teatro por dentro. Como "acabou" o Mundial para nós - morrendo com ele uma certa utopia de que já todos nos alimentávamos - refugio-me no teatro para me "desbloquear", como diria uma amiga ligada a arte e que sabe da poda. Ou seja, Portugal precisa hoje de - colectivamente - se desbloquear. Vai daí pensei num filósofo e no teatro, mistura mais explosiva. Sim, porque estar à um mês falando em futebolistas é marrar em raciocínios quadrados, apesar da bola ser redon... Mas a figura do filósofo aparece-me naturalmente, é ele que melhor utiliza sem limitações o teatro para os seus próprios fins, claro!!! É, pois, um oportunista, ainda que superiormente inteligente e talentoso. Mas é a ele que cabe fornecer as metáforas fiéis ao mundo moderno, e não um engenheiro de minas formado à pressa ali na universidade independente.. É ao filósofo que cabe desenvolver a fábrica dessas imagens - fiéis aos processos entre os homens do nosso tempo, permitindo, assim, a tomada de posição dos espectadores. É aí que entra o Actor - que deseja expressar-se e ser admirado (recolhendo o thymos dos gregos). A actriz, por sinal, deseja mais um teatro com uma função social e de tipo mais educativo. Ela é politizada e não é parva. Geralmente de esquerda e intelectualmente formatada com o slogan Make Love & Peace (entre umas passas, uns LSDs vestidas com umas túnicas à Dennis Russos e com o cabelo entrançado e por lavar à mais de 90 dias) - emergente com a Guerra do Vietnam depois foi resolvida por Nixon com a habitual ajudinha cínica de Albert Kissinger - sempre acompanhado de mulheres loiras, porque dizia que o Poder era o maior dos afrodisíacos... Estudos recentes estão tentando demonstrar que ele fazia isso porque era impotente... Aguardamos as conclusões. O dramaturgista, en passent, percebe quase tudo ligado ao teatro, razão por que se põe à disposição do filósofo, ou seja, propõe-se colocar as suas capacidades e conhecimentos à disposição dele com um objectivo: conversão do teatro (o Mundial de Futebol) no teatro do filósofo (os 10 milhões de tugas que no último mês foram os tais "treinadores de bancada" - experts em táticas e estratégias, 10 milhões de Scolaris, afinal..). Esperando, desse modo, revivificar o próprio teatro e contar uma história, ou melhor duas: a da nossa vitória e a da nossa desilusão, embora já tenhamos ganho virtualmente este Mundial - nessa esquizofrenia - porque chegámos onde, na realidade, nunca pensámos chegar. Sejamos honestos.., só que o poder de chegar primeiro, de querer galgar mais uma barreira, cega-nos... E já que falamos de Teatro - ali vemos o geógrafo representando ideias no mapa que pretende construir. Talvez não seja por acaso que já me tem sucedido encontrar terras que depois não existem no mapa. Alguém falhou nesse registo!!! Mas o mais paradoxal é encontrar lugares que não obstante existam no mapa depois não têm nenhuma existência na cartografia do meu pensamento. E concluo: também isto é representar - i.é, rae presentare - tornando presente o que está ausente. Mas não percamos de vista o diamante: em que se pode converter este argumento, esta peça de teatro. Temo bem que este argumento visaria, em suma, refazer Portugal, reconstruir esse maquinista do tempo que somos todos nós e, ao mesmo tempo, redescobrir um público novo através do teatro. Os futebolistas poderiam ajudar a promover a peça em spots on TV, etc, etc... Tenho a impressão que em Beja haverá já uma Compª. que é capaz de estar a pensar nessa Ideia... Tenho a impressão que muitos dos "operários" de mãos e dos outros (os intelectuais) ficarão a trabalhar nisto, burilando ideias, afinando diálogos, ensaiando, pois muitos são os que estão descontentes com este Mundial e, apesar de tudo, descontentes com o Mundo - para quem o Teatro sempre se dirige neste nosso mundinho das representações.