domingo

O efeito placebo da economia portuguesa

- Vivemos uma fase anormalmente excepcional na vida social, económica e política da nação. A isso designo aqui por efeito placebo da economia nacional. Isso tem uma explicação. Vejamos: acordamos a ouvir notícias de futebol, levamos com as declarações dos titulares e dos que ficam no banco, gramamos com as pretuberâncias gramaticais e a arrogância congénita do sr. scolari que dispara em todas as direcções; os programas dos "donos da bola" e quejandos, representam outra enormidade, fomentada com uns pseudo-entendidos falando e verberando que a bola é quadrada.
  • - Fernando seara, autarca de Sintra, do cds-PSD é um desses quistos da futebolítica portuguesa que só adensa este esprit doentio de dança colectiva em que Portugal vegeta. Mas há mais, apenas o citei porque como autarca deveria ter vergonha na cara e reservar-se mais à finalidade que é suposto servir: o bem comum dos munícipes de Sintra em lugar de se pavonear na tv, obsessão que o persegue já desde o tempo da faculdade, em que antes de começar uma aula tinha de debitar a sua verborreia sobre futebol. Pergunto-me quanto tempo demorará ele a percorrer a IC19..., ou se faz o trajecto de heli directamente para os estúdios da tv-pirata onde revela a sua mais rotunda ignorância sobre futebol, desporto e política em geral. Com autarcas assim não admira que lhes falte a energia anímica indispensável para conceber políticas públicas e projectos que valorizem as gentes de Sintra... que, coitados, vivem pior que atum enlatados em conservas...
  • - Imagens, imagens e mais imagens, a maior parte delas devotadas ao mundial de futebol. A não ser um cancro de imagens - chega-se a supôr que através dessas mesmas imagens os agentes mediáticos pretendem curar-nos de qualquer coisa.
  • - Quando há notícia duma deslocalização empresarial ou ameaça dela - sob a versão de bluf negocial - logo nos servem uns kilos de Scolari à volta dum conferência de imprensa; quando o incompetente do Procurador-Geral da República deixa passar mais uma dezena de fugas de informação para os jornais, logo nos servem uns searas via donos da bola arrotando postas de pescada; quando o petróleo sobe a selecção nacional ganha e logo esquecemos o aumento dos combustíveis; quando Cavaco Silva recorta o roteiro social que tenciona fazer em nome da solidariedade social (e outras caridades) alguns maridos de jornalistas famosas ofendidas asseveram que scolari ainda terá de engolir as ofensas que lançou sobre dona Judite de Sousa da rtp-úm. Enfim, os exemplos poderiam multiplicar-se encontrando aqui nestas estranhas causalidades sinais do efeito placebo.
  • - Um efeito que visa agradar para melhor transformar as vontades das pessoas, conduzindo as suas consciências, como se um fármaco se tratasse e cujos efeitos terapeuticos e fisiológicos assentassem na crença de que vendo os futebóis que nos servem em doses industriais os tugas ficariam aliviados, satisfeitos e contentes. Assim sendo, e porque o governo também é um dos principais interessados na cooparticipação desse efeito de placebo, ou seja, em querer agradar, quero aqui supôr que tantas imagens do mundial de futebol têm, precisamente, essa finalidade: curar-nos da crise em que caímos. O mundial de futebol, à luz dos media e do governo que ajuda nessa caldeirada alienante, é como se fosse uns salmos entoados aos nossos ouvidos para louvarmos a Deus, curar dos vivos, orar pelos mortos e dar graças por vermos mais uma final, agora com o México.
  • - Eis a felicidade dos tempos modernos que navega em Portugal. De tal modo que sempre que ligo o televisor e apanho com mais uma biqueirada de Figo, Cristiano Ronaldo ou até de Scolari penso logo que estou na época medieval ouvindo música sacra e gregóriana a fim de curar a mente, o corpo e o espírito.
  • Contudo, percebo que isto é mais do que um conluío organizado. Hoje percebe-se que a taxa de tempo promocional que as tvs usam e abusam com o mundial de futebol funciona como o efeito placebo, tal como qualquer medicamento administrado mais para agradar do que verdadeiramente para curar ou beneficiar o doente.
  • Mas a chave da explicação para a estimulação desse efeito de placebo em 10 milhões de criaturas guarda ainda um segredo. É que com tanto consumo de imagens sobre futebol, sobre estratégias, táticas, sobre a vida íntima e sexual dos futebolistas, sobre os seus luxos, carros, casas, mulheres sensuais e viagens a destinos exóticos, enfim, sobre todo esse mundo maravilhoso do dinheiro, da fama e do estrelato que se consegue por essa via - os tugas ainda ficam mais alienados. E por cada declaração de Figo cada português médio logo se julga envolto nos braços da mulher dele; por cada arroto de scolari o tuga pensa logo no que pode fazer com um só mês de vencimento do seleccionador nacional.
  • - Funciona aqui o terrível poder da sugestão, como quem estimula o seu corpo ou os seus músculos durante os sonhos com as mulheres dos futebolistas. As imagens oníricas aqui assumem um poderoso efeito, tais são as tremendas sensações que até o mais humilde dos tugas se acha no maior dos craques com a mulher do figo ao colo.
  • - Julgo, portanto, que são estes os entendimentos que os agentes do futebol, os media e o governo que os apoia a todos - para esconder a crise - desenvolvem para estimular a felicidade dos portugueses através desse efeito placebo da libertação das endomorfinas e dos opiáceos naturais do organismo.
  • - Dito isto, julgo que está explicada esta obsessão com o mundial de futebol e com a torrente das imagens que o promovem gerando em nós imagens mentais, oníricas que depois estabelecem as tais conexões entre a mente e o corpo que permite a muitos portugueses ficarem imunes à crise bem como gozar - por efeito de sugestão - com as mulheres, os bens e a fama daqueles jogadores.
  • - No fundo, o mundo do futebol representa a via mais imediata e espectacular para a nossa verdadeira salvação política, económica, social e até sexual... Pergunte-se a qualquer português amante da modalidade quantas vezes já pensou na namorada do Figo ou do C. Ronaldo, ou até nos sonhos que poderia realizar à pala do ordenado de Scolari, apesar das suas baboseiras. Pense-se nisso tudo e depois digam-me se foi verdadeiramente no futebol que eles pensaram...