sábado

Dois pequenos milagres: os dos homens e os de Deus...

  • - Por vezes vemos, ouvimos e compreendemos certas coisas que nos fazem supor que a vida é um traste. Ou então que Deus é um grande maroto que se entretém a brincar com alguns de nós só para medir reacções, avaliar comportamentos, registar condutas e resistências. Como se fôssemos simpes moscas que le vai esmagando quando e como quer. Enfim, para saber até onde podemos ir nesse abismo que às vezes é (sobre)viver.
  • - Duas pequenas grandes histórias poderão ilustrar o que pretendemos aqui dizer. A 1ª delas reporta-se a uma conterrânea minha de Carnaxide, a Maria Poeiras e à infeliz história de seu filho; a 2ª história ocorreu com um amigo meu e em relação ao qual contribui, ainda que modestamente, para tentar minorar o seu sofrimento. Vejamos sumáriamente esses dois casos.
  • - O 1º caso é o de Maria Poeiras de que tomei conhecimento ontem ao ler o blog o Jumento (este blog, pelos vistos, vai a todas..) - que se lhe referia para concluir que o Estado social que temos é uma m..... uma miragem. Um homem pode morrer numa valeta que o braço esticado do Estado social (que temos) quando lá chega já é tarde. Geralmente, nem comparticipa nas despesas do enterro. É assim: temos um Estado altamente tributador, que nos penaliza com uma tremenda carga fiscal e depois evade-se de algumas das suas mais básicas responsabilidades sociais. O caso do Tiago - filho de Maria Poeiras - reflecte, em boa parte, esse drama humano para o qual todos teremos de olhar.
  • - Em curtas palavras o menino nasceu com um problema tão grave quanto raro: uma Neuropatia Hipomielinizante Congénita (Charcot Marie-Tooth). É uma doença que pode acontecer de 1 em 100.000. No caso do Tiago até pode ser o único em Portugal, como se refere no blog Bijuterias de Maria.
  • - Não obstante isto o que é que esta Mulher fez? Um blog e através dele montou uma actividade empresarial que consiste em conceber e executar um conjunto de produtos para criança e adultos. O seu catálogo de bijuterias ilustra bem essa sua capacidade de trabalho, determinação e criatividade - que aconselhamos vivamente a visualizar. Confesso que isto é obra: transformar um grave problema numa oportunidade na luta diária que é a vida. O blog, ao que vejo, é um sucesso, as pessoas corresponderam, as encomendas também e a qualidade dos produtos prestados é enorme, além dos preços serem competitivos.
  • A net - através da blogosfera - serviu aqui de veículo portador dessa mensagem de esperança a fim de aproximar os homens de bem e a mostrar à Humanidade que a rede das redes, o risoma, serve, afinal, para muita e boa coisa. As minhas sinceras felicitações na esperança de que um dia possa ver o Tiago fazendo cavalinhos de bicicleta alí no átrio do Centro Cívico de Carnaxide. Aguardemos, pois, pelo milgare de Deus já que o milgare dos homens está em curso... Gostaria de ver o grande Pacheco Pereira, por detrás da sua gravata enfatuada, a divulgar mais este retrato de Portugal, em lugar de fazer artigos discriminatórios sobre a blogosfera - na ânsia de granjear mais meia dúzia de links nessa república cínica e hipócrita de citações fúteis e estéreis. Fica a nota.
  • A 2ª estória tem uma face mais pessoal mas um cunho igualmente dramático. Em 1986, quando conheci Marvão pela 1ª vez, fiz um amigo. De porte seco e atlético, um apaixonado pelo desporto, um homem activo e então já com uma actividade autárquica significativa. Três anos depois tem o azar de levar o seu irmão de carro ao emprego. De regresso põe-se a sicronizar o rádio, distrai-se e cai por uma ribanceira e fica tetraplégico. Há 17 anos que está assim olhando para o tecto de sua casa: imóvel, prostrado. E "assim" significa ter uma taxa de cerca de 85% de incapacidade na locomoção global do corpo. Apenas levanta os braços e balanceia o tronco e fala com dificuldade. Mas não é capaz de pegar num telemóvel, por exemplo... No entanto, este homem encara esta tremenda limitação como uma fatalidade que já suporta relativamente "bem".
  • Em 2002, das muitas vindas que faz ao Hospital de Stª Maria para fazer a "revisão da máquina" - chama-me a atenção para um catálogo de bombas, ié, para uma revista da permobil (www.permobil.com) que anunciava cadeiras de rodas altamente sofisticadas, mas que de algum modo poderiam reduzir o seu problema de mobilidade. Falo de cadeiras de 5 mil cts, que fazem verticalização, conseguem velocidades estonteantes de 17 quil. horários, altamente confortáveis, com duas baterias, unidade estabilizadora, conhecida como o giroscópio. Estas cadeiras nórdicas têm uma qualidade excepcional e valem bem o preço que custam, pois conferem uma sensação de liberdade, um desafio para qualquer tetraplégico. São cadeiras voadoras, porque, de algum modo, são capazes de aumentar a fiabilidade e a esperança de vida de quem sonha um dia poder vir a andar com total autonomia.. Através dum joystick comanda-se aquele avião para pessoas deficientes.
  • - Estava escrito nas estrelas e selado um acordo na cama do hospital Stª Maria: aquele amigo tinha de usufruir de um Mazarati daqueles. Um mail para o Sr. ministro da pasta, então Bagão felix. Este, nessa mesma tarde, expediu de imediato o assunto por fax para a delegação de Saúde de Portalegre, e duas horas depois tinha a técnica da Segurança Social pendurada ao meu meu Tm informando-me que tudo seria feito para que a dita cadeira fosse cooparticipada. Pelo caminho, claro está, decorreram 6 meses de barganha com alguns serviços de saúde a mudarem o modelo da cadeira tentando, assim, oferecer um modelo (mais barato) que não fazia verticalização, ié, tentando vender gato por lebre aum homem tetraplégico. Felizmente, mexi-me bem e tive a sorte dos deuses.. Até que a "cadeira-Mazarati" chegou a bom porto.
  • - E como é a 1ª vez que me refiro públicamente ao caso, na sequência, aliás, da leitura do drama do Tiago ali no blog o Jumento, resolvi dar testemunho vivo desta história que se passou comigo e teve aspectos verdadeiramente rocambulescos. Dado que eu próprio experimentei a cadeira com o fornecedor em frente à Sic... Estávamos em Outubro, chovia... E ainda hoje recordo a cara de parvo que o segurança da estação de tv (junto à portaria) fez quando me viu a mim, que ando normalmente, experimentar uma cadeira de rodas com o auxílio do fornecedor - que me a queria vender, como qualquer bom vendedor... Estranha e acidentalmente - duas horas depois desse ensaio tive um acidente de viação na CRIL em que espatifei o meu carro e eu lá consegui sair ileso. Mas enquanto me despistava só pensava que aquela dita cadeira era, afinal, para mim. Mas adiante, vou aqui omitir os detalhes. O meu amigo teve a cadeira totalmente paga pelo Estado português. Isto representou para mim e, sobretudo, para o meu amigo, um estalo de luva branca que o Estado nos deu, pois regra geral o Leviatão comporta-se como um sujeito devedor que nunca paga a ninguém. O então ministro do trabalho e da segurança social - Bagão Félix, também teve uma conduta verdadeiramente exemplar que na altura reconheci com um artigo na imprensa. Então como hoje julgo até que foi a única medida política na área da Saúde - útil que Durão Barroso tomou até se pirar para Bruxelas - donde hoje nos revela a mediocridade da Europa que está ajudando a construir.
  • Conclusão: perante duas histórias dramáticas e no limite - o Estado pode assumir condutas díspares. Uma vez o Estado dá, outra não dá, só tira. E outras vezes ainda revela uma estranha e preocupante indiferença. Mas é também por atenção e homenagem ao Tiago - que é um menino - que entendi dever divulgar esta história por ser totalmente verdadeira e por se ter passado directamente comigo e com um amigo meu - que ainda hoje aguarda pelo milagre de Deus: conseguir andar sem cadeiras, já que o milagre dos homens foi feito. Esse amigo é o César Lopes, tem 37 anos, vive em Marvão e é o meu herói. Este texto também é, naturalmente, para ele.
  • Nota: depois disto até me sinto mal em ir jogar ténis. Mas talvez vá e por lá encontre Deus e assim é uma boa opotunidade para lhe perguntar por que razão uns andam e os outros não. Como Ele não tem fama de injusto ou de discriminador tenho fé que Ele faça algo no recato da sua crónica invisibilidade. Veremos se não terei de lhe dar um caldo para O acordar e fazer ver que, afinal, até para pegar numa raquete um homem tem de ter mielina, tem de conseguir andar. Afinal, do que estás à espera Deus...